Em entrevista exclusiva ao jornal Testemunho de Fé, o
arcebispo de São Paulo, Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, legado do Papa Bento
XVI e chefe da delegação da Santa Sé na Conferência Rio+20, apresentou alguns
dos principais posicionamentos defendidos pela Igreja Católica, para um
verdadeiro desenvolvimento sustentável da humanidade, em que a vida humana tem
primazia.
Testemunho de Fé – Quais foram os principais pontos defendidos
pela Igreja na Rio+20?
Dom OdiloPedro Scherer – Que a pessoa humana está no centro
das preocupações ecológicas. Que não basta pensar num desenvolvimento
sustentável, do ponto de vista ambiental, mas que é preciso, sobretudo, fazer
um desenvolvimento em benefício do ser humano, do bem estar social. Portanto,
uma primeira meta deveria ser a erradicação da pobreza, porque não se pode
fazer verdadeiramente um discurso ecológico ambiental sem a proteção da vida
humana. Proteger todas as formas de vida sem proteger antes de tudo a vida
humana é um discurso contraditório. É errada a tendência de querer fazer uma
redução da população mundial, através de programas radicais de controle de
natalidade. É preciso fazer a multiplicação de bens para distribuir e
globalizar a solidariedade.
TF – Por que a Santa Sé insistiu que o princípio de “defesa
dos direitos reprodutivos da mulher”, que constava no documento da Rio+20, fere
a dignidade da pessoa humana?
Dom Odilo – Não só a Santa Sé defendeu, porque só o voto da
Santa Sé não faria tirar nem uma vírgula da declaração. Houve um grande
consenso, de muitos países que apoiaram essa posição defendida pelo Vaticano.
Porque atrás do conceito de direitos reprodutivos está embutido o conceito de
direito ao aborto, como se o aborto fosse um direito natural, um direito da
mulher de eliminar uma vida. Foi por isso que houve todo um esforço para que
esta afirmação não fosse incluída na declaração final, porque ela é ambígua.
Não se pode pretender fazer uma ecologia voltada só para a natureza, sem
incluir também o ser humano. O bebê antes de nascer já é um ser humano
existente. Como o Papa Bento XVI afirmou, e João Paulo II já tinha afirmado, é
preciso pensar antes de tudo numa autêntica ecologia humana.
TF – O senhor acredita que os pobres estão verdadeiramente
contemplados no documento final da conferência?
Dom Odilo – Esta é uma lacuna certamente da Rio+20, e que
está sendo muito criticada. A conferência ousou pouco neste sentido e não
conseguiu afirmar na prática uma política efetiva de ajuda aos países mais pobres
para poderem preservar mais o meio ambiente e fazerem políticas econômicas
boas e equilibradas em termos ambientais. Ficou faltando a criação de um
fundo. Não se chegou a um consenso sobre isso porque havia forte resistência
dos países que mais deveriam contribuir, e que são também aqueles que mais
poluíram e mais poluem. É preciso ajudar a promover políticas econômicas
ambientalmente sadias, a chamada economia “verde”.
TF – O que precisa mudar para se chegar à economia “verde”?
Dom Odilo – Na encíclica Caridade e Verdade (Caritas in
Veritate), o Papa Bento XVI, afirma que é essencial fazer mudanças no estilo de
vida, para que ele seja mais sóbrio e menos depredador do meio ambiente. Ele
aponta o que deveria ser uma economia “verde”, ambientalmente correta e
respeitosa. Não se trata de transformar a natureza ainda mais em mercadoria.
Só com a superação do atual sistema energético básico, que é
o uso de combustíveis fósseis – petróleo e carvão – nós estaríamos fazendo uma
limpeza na economia enorme, tornando-a sustentável. Mas, para não se usar mais
petróleo ou carvão é preciso achar outras formas de energia, os técnicos devem
trabalhar para a tecnologia avançar. É preciso também, e isso já foi dito
muitas vezes, ceder tecnologia, não vender a altíssimo preço essas tecnologias
que já existem, mas acabam não sendo empregadas por interesses de usar ainda o
atual sistema energético, que é baseado nos combustíveis fósseis. A conta dos
investimentos na economia “verde” não deve ser passada aos países pobres, aos
países em desenvolvimento que, porém, não têm recursos, não têm possibilidade,
por si só, de chegar a essas economias “verdes”.
TF – Como cada pessoa pode fazer a sua parte?
Dom Odilo – A sociedade de consumo do bem estar gera
atitudes ambientalmente pouco saudáveis. A economia “verde” supõe diminuir o
consumo desnecessário, levar um estilo de vida mais sóbrio, procurar colocar
realmente o sentido da vida, o significado da felicidade, não apenas no consumo
de bens, na busca de bens materiais, de acúmulo de riquezas e assim por diante,
porque tudo isso finalmente leva a natureza a pagar um altíssimo preço.
É necessário mudar os modos de produção e o estilo de
consumo que o sistema econômico atual está implementando, impondo como sendo
praticamente ideal. Esse sistema de consumo não é sóbrio, mas depredador e
desperdiçador. Ele pressiona sempre mais a busca por recursos naturais e,
evidentemente, causa a degradação do meio ambiente.
TF – O que significa a posição do Vaticano como observador
das Nações Unidas?
Dom Odilo – Na ONU, a Santa Sé está na qualidade de observador
permanente, isso por escolha da própria Santa Sé, para ter maior autonomia e
liberdade de sua presença e acompanhamento das questões das Nações Unidas. Na
Rio+20, porém, o Vaticano não estava como observador, mas sim como
estado-membro, porque o Vaticano é um país. Mas, ainda que fosse na qualidade
de observador na ONU, teria a possibilidade e o direito de compartilhar
convicções e posições com os países membros.
ANDRÉIA GRIPP E CLÁUDIA BRITO
COLABORAÇÃO: RENATO FRANCISCO
FOTO: CHARLES PITTBARBADOS