sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Meditação cristã: diálogo pessoal entre Deus e o homem



Nos agitados dias em que vivemos na atualidade, afirma­-se que o homem e a mulher ne­cessitam exercitar a meditação para atingir o equilíbrio. Mas, o que é de fato meditar? Meditar, segundo o dicionário Aurélio, é “oração mental, que consiste, sobretudo, em considerações e processos mentais discursivos”. As pessoas, portanto, precisam de mais oração!
Desde as primeiras comuni­dades, os cristãos, seguindo o exemplo de Jesus, destacaram­-se no mundo como mestres de oração, portanto, mestres da meditação. Porém, o termo hoje tem se perdido um pouco, sendo associado apenas aos métodos orientais. Ao se referir a eles, a mídia promete que o indiví­duo que a pratica alcançará a quietude espiritual e interior, o equilíbrio psíquico, a sabedoria, a alegria e a paz.
Mas, antes de se aventurar ou desejar essa quietude, esse equilíbrio, essa sabedoria, essa alegria e essa paz prometidas, é preciso que os cristãos se questionem: de que quietude, equilíbrio, sabedoria e paz de fato necessitamos?
Cristo é a nossa paz, afirma São Paulo na Carta aos Efésios (2,11-18). Ele é o Shalom do Pai. Na tradição bíblica, Shalom não designa uma paz caracterizada pela ausência de guerra apenas, mas a plenitude de bênção, de felicidade, de salvação, de bene­volência, de harmonia interior, de bem-estar, de prosperidade material e espiritual, de tota­lidade, de integralidade e de relacionamentos harmoniosos. E esse equilíbrio total só pode ser alcançado em Deus. Só n’Ele se pode receber o Shalom, se pode obter a paz.
Por isso, os cristãos são verdadeiramente mestres da meditação, da oração mental. E a oração cristã, afirma o então cardeal Joseph Ratzinger, em 1989, na Carta da Congregação para a Doutrina da Fé, aos bis­pos da Igreja Católica, acerca de alguns aspectos da meditação cristã, “é sempre determinada pela estrutura da fé cristã, na qual resplandece a verdade mesma de Deus e da criatura”.
Sendo assim, o que carac­teriza a meditação cristã? Se­gundo o texto, “a forma de um diálogo pessoal, íntimo e profundo, entre o homem e Deus. A oração exprime, por conseguinte, a comunhão das criaturas redimidas com a vida íntima das pessoas trinitárias. Nesta comunhão, que se funda sobre o Batismo e sobre a Eu­caristia, fonte e cume da vida da Igreja, encontra-se implícita uma atitude de conversão, um êxodo do eu para o Tu de Deus.”
E aí está o grande diferencial entre as “técnicas de medita­ção”. A oração cristã é sempre ao mesmo tempo autentica­mente pessoal e comunitária. “Por esta razão, recusa técnicas impessoais ou centradas sobre o eu, as quais tendem a produzir automatismos, nos quais o oran­te cai prisioneiro de um espiri­tualismo intimista, incapaz de uma livre abertura para o Deus transcendente. Na Igreja, a le­gítima busca de novos métodos de meditação deverá ter sempre em conta que, numa oração au­tenticamente cristã, é essencial o encontro de duas liberdades: a infinita, de Deus, e a finita, do homem”, diz o documento.

A FONTE DA MEDITAÇÃO CRISTÃ
É a Bíblia que ensina como deve rezar o homem que acolhe a revelação. A Igreja recomenda sempre a leitura de Palavra de Deus como fonte da oração cris­tã e, ao mesmo tempo, exorta a descobrir o sentido profundo da Sagrada Escritura através da oração, para que seja possível o diálogo entre Deus e o homem; porque é a Ele que se fala quando se reza; a Ele que se ouve quando se lê os divinos oráculos (cf. nº 6).
No Antigo Testa­mento, existe uma maravilhosa coleção de orações, a qual se conservou viva através dos séculos também na Igreja de Jesus Cristo: o Livro dos Salmos. E es­pecialmente no Novo Tes­tamento, os cristãos encontram a razão primeira e a finalidade da sua meditação: entrar na íntima relação com Deus, que revelou-se ao homem na histó­ria e continua hoje a convidá-lo a encontrar-se com Ele todos os dias (cf. nº 4).
Existe, portanto, uma re­lação estreita entre a revela­ção e a oração. A Constituição dogmática “Dei Verbum”, do Concílio Vaticano II, ensina que, mediante a sua revelação, o Deus invisível “na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos (cf. Ex. 33, 11; Jo. 15, 14- 15) e convive com eles (cf. Bar. 3, 38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele” (cf. Dei Verbum, nº 2).
“ Em v irtude d as p alavras, das obras, da paixão e ressurrei­ção de Jesus Cristo, no Novo Testamento, a fé reconhece n’Ele a de­f init iva autor­revelação de Deus, a Palavra encarnada que manifesta as profundidades mais íntimas do seu amor. É o Espírito Santo que faz penetrar nestas pro­fundidades de Deus, pois é Ele quem, enviado ao coração dos crentes, ‘sonda todas as coisas, até mesmo as profundidades de Deus’ (1 Cor. 2, 10)” (nº 6).

A ÚNICA VIA
A cada fiel é dada a liberdade de encontrar, “na variedade e ri­queza da oração cristã, ensinada pela Igreja, o próprio caminho”. Porém, esse caminho deverá levar ao “único caminho” que é a verdadeira paz: Jesus Cristo, via estabelecida pelo Pai para o encontro com Ele. “Na procura do próprio caminho, cada qual deixar-se-á, portanto, conduzir, não tanto pelos gostos pessoais, quanto pelo Espírito Santo, o qual o guia, mediante Cristo, ao Pai” (nº 29).
Isto porque, “o amor de Deus, único objeto da contem­plação cristã, é uma realidade da qual não nos podemos ‘apo­derar’ por meio de qualquer mé­todo ou técnica; pelo contrário, devemos ter sempre o olhar fixo em Jesus Cristo, no qual o amor divino sobre a Cruz chegou por nós a tal ponto que Ele assumiu sobre si mesmo também a con­dição de afastamento do Pai (cfr. Mc. 15, 34).
Devemos, portanto, deixar Deus decidir o modo segundo o qual Ele quer tornar-nos par ticipantes do seu amor” (nº 30).

ANDRÉIA GRIPP
FOTO: ALDO MARQUES