Nos agitados dias em que vivemos na atualidade, afirma-se
que o homem e a mulher necessitam exercitar a meditação para atingir o
equilíbrio. Mas, o que é de fato meditar? Meditar, segundo o dicionário
Aurélio, é “oração mental, que consiste, sobretudo, em considerações e
processos mentais discursivos”. As pessoas, portanto, precisam de mais oração!
Desde as primeiras comunidades, os cristãos, seguindo o
exemplo de Jesus, destacaram-se no mundo como mestres de oração, portanto,
mestres da meditação. Porém, o termo hoje tem se perdido um pouco, sendo
associado apenas aos métodos orientais. Ao se referir a eles, a mídia promete
que o indivíduo que a pratica alcançará a quietude espiritual e interior, o
equilíbrio psíquico, a sabedoria, a alegria e a paz.
Mas, antes de se aventurar ou desejar essa quietude, esse
equilíbrio, essa sabedoria, essa alegria e essa paz prometidas, é preciso que
os cristãos se questionem: de que quietude, equilíbrio, sabedoria e paz de fato
necessitamos?
Cristo é a nossa paz, afirma São Paulo na Carta aos Efésios
(2,11-18). Ele é o Shalom do Pai. Na tradição bíblica, Shalom não designa uma
paz caracterizada pela ausência de guerra apenas, mas a plenitude de bênção, de
felicidade, de salvação, de benevolência, de harmonia interior, de bem-estar,
de prosperidade material e espiritual, de totalidade, de integralidade e de
relacionamentos harmoniosos. E esse equilíbrio total só pode ser alcançado em Deus. Só n’Ele se pode
receber o Shalom, se pode obter a paz.
Por isso, os cristãos são verdadeiramente mestres da
meditação, da oração mental. E a oração cristã, afirma o então cardeal Joseph
Ratzinger, em 1989, na Carta da Congregação para a Doutrina da Fé, aos bispos
da Igreja Católica, acerca de alguns aspectos da meditação cristã, “é sempre
determinada pela estrutura da fé cristã, na qual resplandece a verdade mesma de
Deus e da criatura”.
Sendo assim, o que caracteriza a meditação cristã? Segundo
o texto, “a forma de um diálogo pessoal, íntimo e profundo, entre o homem e
Deus. A oração exprime, por conseguinte, a comunhão das criaturas redimidas com
a vida íntima das pessoas trinitárias. Nesta comunhão, que se funda sobre o
Batismo e sobre a Eucaristia, fonte e cume da vida da Igreja, encontra-se
implícita uma atitude de conversão, um êxodo do eu para o Tu de Deus.”
E aí está o grande diferencial entre as “técnicas de meditação”.
A oração cristã é sempre ao mesmo tempo autenticamente pessoal e comunitária.
“Por esta razão, recusa técnicas impessoais ou centradas sobre o eu, as quais
tendem a produzir automatismos, nos quais o orante cai prisioneiro de um
espiritualismo intimista, incapaz de uma livre abertura para o Deus
transcendente. Na Igreja, a legítima busca de novos métodos de meditação
deverá ter sempre em conta que, numa oração autenticamente cristã, é essencial
o encontro de duas liberdades: a infinita, de Deus, e a finita, do homem”, diz
o documento.
A FONTE DA MEDITAÇÃO CRISTÃ
É a Bíblia que ensina como deve rezar o homem que acolhe a
revelação. A Igreja recomenda sempre a leitura de Palavra de Deus como fonte da
oração cristã e, ao mesmo tempo, exorta a descobrir o sentido profundo da
Sagrada Escritura através da oração, para que seja possível o diálogo entre
Deus e o homem; porque é a Ele que se fala quando se reza; a Ele que se ouve
quando se lê os divinos oráculos (cf. nº 6).
No Antigo Testamento, existe uma maravilhosa coleção de
orações, a qual se conservou viva através dos séculos também na Igreja de Jesus
Cristo: o Livro dos Salmos. E especialmente no Novo Testamento, os cristãos
encontram a razão primeira e a finalidade da sua meditação: entrar na íntima
relação com Deus, que revelou-se ao homem na história e continua hoje a convidá-lo
a encontrar-se com Ele todos os dias (cf. nº 4).
Existe, portanto, uma relação estreita entre a revelação e
a oração. A Constituição dogmática “Dei Verbum”, do Concílio Vaticano II,
ensina que, mediante a sua revelação, o Deus invisível “na riqueza do seu amor
fala aos homens como amigos (cf. Ex. 33, 11; Jo. 15, 14- 15) e convive com eles
(cf. Bar. 3, 38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele” (cf. Dei
Verbum, nº 2).
“ Em v irtude d as p alavras, das obras, da paixão e
ressurreição de Jesus Cristo, no Novo Testamento, a fé reconhece n’Ele a def
init iva autorrevelação de Deus, a Palavra encarnada que manifesta as
profundidades mais íntimas do seu amor. É o Espírito Santo que faz penetrar
nestas profundidades de Deus, pois é Ele quem, enviado ao coração dos crentes,
‘sonda todas as coisas, até mesmo as profundidades de Deus’ (1 Cor. 2, 10)” (nº
6).
A ÚNICA VIA
A cada fiel é dada a liberdade de encontrar, “na variedade e
riqueza da oração cristã, ensinada pela Igreja, o próprio caminho”. Porém,
esse caminho deverá levar ao “único caminho” que é a verdadeira paz: Jesus
Cristo, via estabelecida pelo Pai para o encontro com Ele. “Na procura do
próprio caminho, cada qual deixar-se-á, portanto, conduzir, não tanto pelos
gostos pessoais, quanto pelo Espírito Santo, o qual o guia, mediante Cristo, ao
Pai” (nº 29).
Isto porque, “o amor de Deus, único objeto da contemplação
cristã, é uma realidade da qual não nos podemos ‘apoderar’ por meio de
qualquer método ou técnica; pelo contrário, devemos ter sempre o olhar fixo em Jesus Cristo , no qual
o amor divino sobre a Cruz chegou por nós a tal ponto que Ele assumiu sobre si
mesmo também a condição de afastamento do Pai (cfr. Mc. 15, 34).
Devemos, portanto, deixar Deus decidir o modo segundo o qual
Ele quer tornar-nos par ticipantes do seu amor” (nº 30).
ANDRÉIA GRIPP
FOTO: ALDO MARQUES