sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Configurados no amor de Cristo pela Igreja



O amor, antes de ser o fun­damento da vida matrimonial, é o fundamento e a realização da vida humana. “Deus, que criou o homem por amor, também o chamou para o amor, vocação fundamental e inata de todo ser humano, pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, que é amor” (Catecismo da Igreja Católica, nº 1604). Criados pelo amor de Deus, o ser humano é relacionado ao amor fontal – Deus – e a estabelecer relações de amor. Disse o Papa João Paulo II, de saudosa memória: “O ho­mem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se não o experimenta e se não o torna algo próprio, se dele não participa vivamente”.
O amor é o grande funda­mento da vida matrimonial. O amor conjugal é uma resposta a um chamado, a resposta a viver a vocação ao amor. O matrimônio não é só a decisão de um homem e de uma mulher: é a graça que atrai duas pessoas maduras, conscientes, contentes a dar um sentido definitivo à própria liberdade. O amor de um homem e de uma mulher revela algo do mistério de Deus.
A relação de Deus com seu povo no Antigo Testamento, mesmo sendo um pacto jurídico, ultrapassa o nível das coisas ju­rídicas: da parte de Deus, supõe amor e fidelidade, o hesed (Ex 34, 6-7; Dt 7, 7-8); da parte de Israel exige também amor, fidelidade, hesed (Dt 6,4; Os 4,2; 6,6). O pacto (berît) entre um homem e uma mulher está também estreitamente vinculado com elementos de ordem afetiva: o amor, a fidelidade, o apego do coração (hesed).
A relação homem e mulher – o matrimônio – toma a partir de Jesus o seu significado pleno que já estava escrito nas origens e que deveria ser plenificado à luz do mistério de Cristo. A configuração esponsal Cristo­-Igreja apontará o sentido pleno do plano originário de Deus para a união do homem e da mulher.
São Paulo, na Epístola aos Efésios 5, 22-33, coloca o amor de Cristo pela Igreja como fun­damento da união do homem e da mulher, do sacramento do matrimônio. Nos versículos 29-33, é a unidade do amor enquanto unidade de uma só carne e de um só corpo que constitui o pa­ralelismo entre Cristo, Igreja e o matrimônio. Diz o texto: “... Pois ninguém jamais quis mal à sua própria carne, antes a alimenta e dela cuida, como também faz Cristo com a Igreja, porque somos membros do seu corpo. Por isso deixará o homem o seu pai e a sua mãe e se ligará à sua mulher, e serão ambos uma só carne. É grande este mistério: refiro-me à relação entre Cristo e a Igreja. Em resumo, cada um de vós ame a sua mulher como a si mesmo e a mulher respeite o seu marido”.
O matrimônio, portanto, radica-se no mistério de Deus em sentido muito mais radical do que possamos imaginar. Ele está em relação real, essencial, intrín­seca com o mistério da união de Cristo com a Igreja; tem a sua raiz nele, encontra-se imbricado or­ganicamente com ele e, portanto participa da sua natureza e do seu caráter sobrenatural.
Desta realidade emerge a mis­são da família no mundo de hoje. “Familiaris Consortio” 13, afirma: “Os esposos são, portanto, para a Igreja o chamamento permanen­te daquilo que aconteceu sobre a Cruz; são um para o outro, e para os filhos, testemunhas da salva­ção da qual o sacramento os faz participar. Deste acontecimento de salvação, o matrimônio como cada sacramento, é memorial, atualização e profecia: ‘Enquanto memorial, o sacramento dá-lhes a graça e o dever de recordar as grandes obras de Deus e de as testemunhar aos filhos; enquan­to atualização, dá-lhes a graça e o dever de realizar no presente, um para com o outro e para com os filhos, as exigências de um amor que perdoa e que redime; en­quanto profecia dá-lhes a graça e o dever de viver e de testemunhar a esperança do futuro encontro com Cristo’ ”.
A família deve ser, assim, memória, atualização e profecia. Como memória, deve recordar as grandes obras de Deus e testemu­nhá-las aos filhos; como atualiza­ção, realizar no presente, um para o outro e para os filhos, as exi­gências de um amor que perdoa e redime. O casal cristão é chamado assim a ser, na Igreja, manifesta­ção do amor para o mundo, não de um amor passageiro, coisificado, que ofende a dignidade da pessoa humana, mas do amor duradouro, que se fundamenta no amor de Cristo pela Igreja e, por isso, sinal da graça para o mundo. E, por fim, deve ser profecia e testemunhar a esperança do futuro encontro com Cristo.

DOM PAULO CEZAR COSTA
BISPO AUXILIAR DO RIO DE JANEIRO
FOTO: SXC.HU