terça-feira, 26 de junho de 2012

Globalização da solidariedade



Em entrevista exclusiva ao jornal Testemunho de Fé, o arcebispo de São Paulo, Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, legado do Papa Bento XVI e chefe da delegação da Santa Sé na Conferência Rio+20, apresentou alguns dos principais posicionamentos defendidos pela Igreja Católica, para um verdadeiro desenvolvimento sustentável da humanidade, em que a vida humana tem primazia.

Testemunho de Fé – Quais foram os principais pontos de­fendidos pela Igreja na Rio+20?
Dom OdiloPedro Scherer – Que a pessoa humana está no centro das preocupações ecológicas. Que não basta pensar num desenvolvimento sustentável, do ponto de vista ambiental, mas que é preciso, sobretudo, fazer um desenvolvimento em benefício do ser humano, do bem estar social. Portanto, uma primeira meta deveria ser a er­radicação da pobreza, porque não se pode fazer verdadeira­mente um discurso ecológico ambiental sem a proteção da vida humana. Proteger todas as formas de vida sem proteger an­tes de tudo a vida humana é um discurso contraditório. É errada a tendência de querer fazer uma redução da população mundial, através de programas radicais de controle de natalidade. É preciso fazer a multiplicação de bens para distribuir e globalizar a solidariedade.

TF – Por que a Santa Sé insistiu que o princípio de “de­fesa dos direitos reprodutivos da mulher”, que constava no documento da Rio+20, fere a dignidade da pessoa humana?
Dom Odilo – Não só a Santa Sé defendeu, porque só o voto da Santa Sé não faria tirar nem uma vírgula da declaração. Houve um grande consenso, de muitos países que apoiaram essa posição defendida pelo Vatica­no. Porque atrás do conceito de direitos reprodutivos está em­butido o conceito de direito ao aborto, como se o aborto fosse um direito natural, um direito da mulher de eliminar uma vida. Foi por isso que houve todo um esforço para que esta afirmação não fosse incluída na declaração final, porque ela é ambígua. Não se pode pretender fazer uma ecologia voltada só para a natureza, sem incluir também o ser humano. O bebê antes de nascer já é um ser humano existente. Como o Papa Bento XVI afirmou, e João Paulo II já tinha afirmado, é preciso pensar antes de tudo numa autêntica ecologia humana.

TF – O senhor acredita que os pobres estão verdadeira­mente contemplados no do­cumento final da conferência?
Dom Odilo – Esta é uma lacu­na certamente da Rio+20, e que está sendo muito criticada. A conferência ousou pouco neste sentido e não conseguiu afirmar na prática uma política efetiva de ajuda aos países mais pobres para poderem preservar mais o meio ambiente e fazerem polí­ticas econômicas boas e equili­bradas em termos ambientais. Ficou faltando a criação de um fundo. Não se chegou a um con­senso sobre isso porque havia forte resistência dos países que mais deveriam contribuir, e que são também aqueles que mais poluíram e mais poluem. É pre­ciso ajudar a promover políticas econômicas ambientalmente sadias, a chamada economia “verde”.

TF – O que precisa mudar para se chegar à economia “verde”?
Dom Odilo – Na encíclica Caridade e Verdade (Caritas in Veritate), o Papa Bento XVI, afirma que é essencial fazer mudanças no estilo de vida, para que ele seja mais sóbrio e menos depredador do meio ambiente. Ele aponta o que deveria ser uma economia “verde”, ambiental­mente correta e respeitosa. Não se trata de transformar a natu­reza ainda mais em mercadoria.
Só com a superação do atual sistema energético básico, que é o uso de combustíveis fósseis – petróleo e carvão – nós esta­ríamos fazendo uma limpeza na economia enorme, tornando-a sustentável. Mas, para não se usar mais petróleo ou carvão é preciso achar outras formas de energia, os técnicos devem tra­balhar para a tecnologia avançar. É preciso também, e isso já foi dito muitas vezes, ceder tecnolo­gia, não vender a altíssimo preço essas tecnologias que já existem, mas acabam não sendo emprega­das por interesses de usar ainda o atual sistema energético, que é baseado nos combustíveis fós­seis. A conta dos investimentos na economia “verde” não deve ser passada aos países pobres, aos países em desenvolvimento que, porém, não têm recursos, não têm possibilidade, por si só, de chegar a essas economias “verdes”.

TF – Como cada pessoa pode fazer a sua parte?
Dom Odilo – A sociedade de consumo do bem estar gera atitudes ambientalmente pouco saudáveis. A economia “verde” supõe diminuir o consumo desnecessário, levar um estilo de vida mais sóbrio, procurar colocar realmente o sentido da vida, o significado da felicidade, não apenas no consumo de bens, na busca de bens materiais, de acúmulo de riquezas e assim por diante, porque tudo isso final­mente leva a natureza a pagar um altíssimo preço.
É necessário mudar os mo­dos de produção e o estilo de consumo que o sistema econô­mico atual está implementan­do, impondo como sendo pra­ticamente ideal. Esse sistema de consumo não é sóbrio, mas depredador e desperdiçador. Ele pressiona sempre mais a busca por recursos naturais e, evidentemente, causa a degra­dação do meio ambiente.

TF – O que significa a posi­ção do Vaticano como observa­dor das Nações Unidas?
Dom Odilo – Na ONU, a Santa Sé está na qualidade de observa­dor permanente, isso por escolha da própria Santa Sé, para ter maior autonomia e liberdade de sua presença e acompanhamento das questões das Nações Unidas. Na Rio+20, porém, o Vaticano não estava como observador, mas sim como estado-membro, por­que o Vaticano é um país. Mas, ainda que fosse na qualidade de observador na ONU, teria a possibilidade e o direito de com­partilhar convicções e posições com os países membros.

ANDRÉIA GRIPP E CLÁUDIA BRITO
COLABORAÇÃO: RENATO FRANCISCO
FOTO: CHARLES PITTBARBADOS