O Diário Oficial da União publicou, no dia 14 de maio, os
critérios definidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para o aborto de
crianças com anencefalia, referentes à decisão de oito ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF), no dia 12 de abril. Neste artigo, o diácono e médico
obstetra Vinícius de Souza destaca que para serem respeitados quanto ao direito
de não matar, os médicos da rede pública deverão apelar aos juristas e exigir a
observância do art. 5º e art. 196 da Constituição Federal (inviolabilidade do
direito à v ida e à s aúde), que estão entre as cláusulas pétreas da lei maior.
A lei que autoriza ou favorece o aborto é radicalmente
contra o bem do indivíduo e, portanto, carece de validade jurídica. São Tomás
de Aquino escrevia: “A lei humana tem valor de lei enquanto está de acordo com
a reta razão, derivando, portanto, da lei eterna. Se, porém, contradiz a
razão, chama-se lei iníqua e, como tal, não tem valor, mas é um ato de
violência. Toda a lei constituída pelos homens tem força de lei só na medida em
que deriva da lei natural. Se, ao contrário, em alguma coisa está em contraste
com a lei natural, então não é lei, mas sim “corrupção da lei.”
Portanto, deixa de ser uma verdadeira lei civil, e nunca
obrigaria nem as mulheres nem os médicos a segui-la. E os médicos, de modo
especial, não podem ser obrigados a realizar o aborto. Só os que preferirem
obedecer mais aos homens que a Deus.
Vide Atos 5, 29: “Importa mais obedecer a Deus do que aos
homens”.
A lei iníqua não pode legitimar o crime. E aborto é crime,
é homicídio de uma criança indefesa. Leis deste teor não poderão obrigar o
médico a praticar um crime. Ao contrário, sua consciência, ante o juramento
que todos fizemos de preservar a vida, o obrigará a apelar para o que se chama
“objeção de consciência” e, se necessário, para os tribunais, invocando seu
direito de não matar. O próprio direito afirma que ninguém é obrigado a
participar em ações moralmente más.
Os médicos da rede pública deverão apelar aos juristas e
exigir a observância do art. 5º e art. 196 da Constituição (inviolabilidade do
direito à vida e à saúde), que estão entre as cláusulas pétreas de nossa lei
maior e que não podem ser mudados por uma simples lei.
Completo dizendo que nunca será lícito dar sua colaboração
formal em ação que, apesar de admitida por legislação civil, está contrária à
sua consciência ética (e não digo nem cristã, mas ética), e poderão e deverão
recusar cometer esta injustiça, por ser um dever moral e basilar.
A lei favorável ao aborto, já que esta monstruosidade começou
a ser aprovada, deverá aprovar também que “aquele que recorrer à objeção de
consciência deve ser salvaguardado, não apenas de sanções penais, mas ainda de
qualquer dano no plano legal, disciplinar, econômico e profissional” (Evangelium
vitae, Nº 74).
Os médicos católicos devem, já que a doutrina cristã é contra
o aborto, enfrentar este paradoxo, simplesmente lembrando que os mandamentos de
Deus nos ensinam o caminho da vida. Isto implica a obrigação de respeitar o
“Não matarás”, com seus imperativos de respeito, promoção e amor à vida humana
em qualquer dos seus estágios. Cristo deu sua vida por nós, e, se necessário,
deveremos dar também a nossa vida por nossos irmãos (1 Jo 3,16).
A decisão do STF de aprovar a morte de anencéfalos, termo
equivocado já que são portadores de mero-anencefalia e, portanto, não estão
mortos como declarou, em sua ignorância em assuntos médicos, o ministro
relator, é uma regressão à barbárie. Promoção da cultura da morte. Vergonha
para os que apresentaram tais propostas ou projetos e para os partidos e
ministros que os acolhem.
Repugna-me, depois de 53 anos de medicina em que como
obstetra lutei, também na rede pública, pela vida das gestantes e de seus
filhos, ver o Brasil querer obrigar médicos a agir de acordo com a cultura da
morte. Fiz 4.520 partos. E das que desejaram fazer o aborto e desistiram,
nenhuma se arrependeu de ter tido seu filho. Aquelas que, apesar dos conselhos
dados, optaram pela morte do ser gerado em seu ventre, todas levam a angústia
de, pelo menos, não tê-lo conhecido e amado.
Cumpre aos verdadeiros médicos, “defensores da saúde e da
vida”, que sabemos é a grande maioria, se rebelarem contra aqueles que não
temem a Deus. Da obediência que Lhe é devida nascerá sem dúvida, porque d’Ele
procede a força e a coragem de resistir às leis injustas dos homens.
VINICIUS NELSON GARCIA DE SOUZA
MÉDICO OBSTETRA E
DIÁCONO PERMANENTE
FOTO: REPRODUÇÃO
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