terça-feira, 22 de maio de 2012

O direito de não matar



O Diário Oficial da União publicou, no dia 14 de maio, os critérios definidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para o aborto de crianças com anencefalia, refe­rentes à decisão de oito ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 12 de abril. Neste artigo, o diácono e médico obstetra Vinícius de Souza destaca que para serem respeitados quanto ao direito de não matar, os médicos da rede pública deverão apelar aos juristas e exigir a observância do art. 5º e art. 196 da Constituição Federal (inviolabilidade do direito à v ida e à s aúde), que estão entre as cláusulas pétreas da lei maior.

A lei que autoriza ou favore­ce o aborto é radicalmente contra o bem do indivíduo e, portanto, carece de validade jurídica. São Tomás de Aquino escrevia: “A lei humana tem valor de lei enquanto está de acordo com a reta razão, deri­vando, portanto, da lei eterna. Se, porém, contradiz a razão, chama-se lei iníqua e, como tal, não tem valor, mas é um ato de violência. Toda a lei constituída pelos homens tem força de lei só na medida em que deriva da lei natural. Se, ao contrário, em alguma coisa está em contraste com a lei natural, então não é lei, mas sim “corrupção da lei.”
Portanto, deixa de ser uma verdadeira lei civil, e nunca obrigaria nem as mulheres nem os médicos a segui-la. E os médicos, de modo especial, não podem ser obrigados a realizar o aborto. Só os que preferirem obedecer mais aos homens que a Deus.
Vide Atos 5, 29: “Importa mais obedecer a Deus do que aos homens”.
A lei iníqua não pode legiti­mar o crime. E aborto é crime, é homicídio de uma criança inde­fesa. Leis deste teor não poderão obrigar o médico a praticar um crime. Ao contrário, sua cons­ciência, ante o juramento que todos fizemos de preservar a vida, o obrigará a apelar para o que se chama “objeção de consciência” e, se necessário, para os tribunais, invocando seu direito de não matar. O próprio direito afirma que ninguém é obrigado a participar em ações moralmente más.
Os médicos da rede pública deverão apelar aos juristas e exigir a observância do art. 5º e art. 196 da Constituição (invio­labilidade do direito à vida e à saúde), que estão entre as cláu­sulas pétreas de nossa lei maior e que não podem ser mudados por uma simples lei.
Completo dizendo que nunca será lícito dar sua colaboração formal em ação que, apesar de admitida por legislação civil, está contrária à sua consciência ética (e não digo nem cristã, mas éti­ca), e poderão e deverão recusar cometer esta injustiça, por ser um dever moral e basilar.
A lei favorável ao aborto, já que esta monstruosidade co­meçou a ser aprovada, deverá aprovar também que “aquele que recorrer à objeção de cons­ciência deve ser salvaguardado, não apenas de sanções penais, mas ainda de qualquer dano no plano legal, disciplinar, econô­mico e profissional” (Evange­lium vitae, Nº 74).
Os médicos católicos devem, já que a doutrina cristã é contra o aborto, enfrentar este paradoxo, simplesmente lembrando que os mandamentos de Deus nos ensinam o caminho da vida. Isto implica a obrigação de respeitar o “Não matarás”, com seus impe­rativos de respeito, promoção e amor à vida humana em qualquer dos seus estágios. Cristo deu sua vida por nós, e, se necessário, deveremos dar também a nossa vida por nossos irmãos (1 Jo 3,16).
A decisão do STF de aprovar a morte de anencéfalos, termo equivocado já que são portadores de mero-anencefalia e, portanto, não estão mortos como declarou, em sua ignorância em assuntos médicos, o ministro relator, é uma regressão à barbárie. Promoção da cultura da morte. Vergonha para os que apresentaram tais propos­tas ou projetos e para os partidos e ministros que os acolhem.
Repugna-me, depois de 53 anos de medicina em que como obstetra lutei, também na rede pública, pela vida das gestantes e de seus filhos, ver o Brasil querer obrigar médicos a agir de acordo com a cultura da morte. Fiz 4.520 partos. E das que de­sejaram fazer o aborto e desisti­ram, nenhuma se arrependeu de ter tido seu filho. Aquelas que, apesar dos conselhos dados, op­taram pela morte do ser gerado em seu ventre, todas levam a angústia de, pelo menos, não tê-lo conhecido e amado.
Cumpre aos verdadeiros médicos, “defensores da saúde e da vida”, que sabemos é a grande maioria, se rebelarem contra aqueles que não temem a Deus. Da obediência que Lhe é devida nascerá sem dúvida, porque d’Ele procede a força e a coragem de resistir às leis injustas dos homens.

VINICIUS NELSON GARCIA DE SOUZA

MÉDICO OBSTETRA E DIÁCONO PERMANENTE
FOTO: REPRODUÇÃO