“Diante de uma diversidade de situações, como a pobreza, o
abandono e a violência, o grande desafio da Igreja é ser uma presença mais
atuante e fraterna na vida das pessoas”, explicou frei James Girardi, atual
pároco da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, na Rocinha.
Entre os dias 28 e 29 de julho, ele acolheu na comunidade
paroquial mais de 200 missionários, que subiram e desceram ladeiras entre
becos e vielas para levar a Palavra de Deus aos moradores da mais complexa do
Rio de Janeiro, uma das maiores da América Latina.
A primeira visita missionária do ano foi organizada pelo
coordenador arquidiocesano da Pastoral Missionária, padre Ludendorff Cohen
Couto (Licinho). Ele também é responsável pelo Conselho Missionário no Regional
Episcopal Leste 1 da CNBB.
“Frei James nos acolheu com muita alegria, abriu as portas e
mobilizou a sua comunidade para acolher os missionários. A missão foi um
sucesso, envolvendo cinco padres e missionários de diversas paróquias do Rio, e
também das dioceses de Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Entre os missionários, a
presença de 16 jovens italianos acompanhados pelo padre Renato Chiera,
fundador da Casa do Menor São Miguel Arcanjo”, explicou padre Licinho.
Antes de sair de casa em casa, os missionários se reuniram
no sábado de manhã, para rezar e traçar as linhas de trabalho. A missão foi
organizada, nos moldes das anteriores, mas com base na realidade local.
“A Rocinha é uma comunidade muito complexa por causa da
diversidade de situações. Agora estamos em processo de pacificação, o que é
positivo, mas falta muito para que as pessoas tenham o respeito que merecem
como cidadãos”, ressaltou frei James.
A Igreja está presente na Rocinha desde 1930, tendo sido
construídas inicialmente uma pequena capela e uma escola de alfabetização.
Dedicada a Nossa Senhora da Boa Viagem, a paróquia foi erigida em 1985,
dirigida por mais de 20 anos pelo monsenhor Manoel de Oliveira Manangão, até
que, em 2007, foi confiada novamente aos padres franciscanos da Província Imaculada
Conceição do Brasil.
“A finalidade da missão é ser uma presença amorosa de Deus,
dizer explicitamente que Ele é pai, que é amor, e está presente na vida das
pessoas apesar das dificuldades. É o que cada um procurou fazer nesses dois
dias. Acredito que a missão fez bem para os missionários, e muito mais para
fiéis da comunidade, despertando o quanto ainda há para fazer”, assinalou frei
James.
No domingo, além das visitas, houve paralelamente oficinas
para crianças, jovens e casais, com temas específicos de interesse, tanto na
matriz como na Capela São José. A missão foi encerrada na matriz, às 17h, com
Celebração Eucarística.
De acordo com o padre Licinho, no ano passado foram
realizadas quatro missões: no Complexo do Alemão, na Penha e duas vezes na
Maré. Ainda não confirmada, a próxima missão será no Morro da Providência, em
outubro próximo. Também está confirmada mais uma missão em Paranatinga (MT), de
7 a 22 de
agosto, com a presença de 45 missionários.
DE CASA EM CASA
Foi unanimidade, entre os missionários, que todos foram bem
recebidos, que a missão foi enriquecedora, e que o maior desafio foi o acesso
às casas. Não é por menos: o morro da Rocinha é íngreme, cortado apenas por
uma rua principal, que se inicia na Gávea e vai até São Conrado. As casas,
muitas delas sem calçadas nem quintais, em geral foram construídas uma em cima
da outra.
“O acesso dificultou a visita a mais casas”, lembrou
Virginia Diniz de Carvalho, da Paróquia São Marcos, da Barra da Tijuca. Ela,
que não conhecia a comunidade, contou que a missão foi produtiva, deparando-se
com situações de muita pobreza, famílias com crianças especiais, idosos com
dificuldade de ir e vir, principalmente para cuidar da saúde.
“Visitei casas de evangélicos, mas também de muitos católicos.
Percebe-se que a Igreja local é ativa, com a presença de várias capelas no
território paroquial. Fiquei feliz por ver pessoas que amam a Igreja. Muitas
famílias pediram assistência, outras para batizar os filhos, e até para serem
evangelizadas. Constatei que muitos fiéis participam, por causa da extensão da
Rocinha, de paróquias da Gávea ou do Leblon”, afirmou Virginia.
“Gostei da visita, pois vieram falar de Deus. Leram o Evangelho
e rezamos juntos. Neste mundo perigoso, o que mais precisamos é de Deus. Tenho
costume de rezar ao levantar, ao dormir e quando vou trabalhar. Precisamos
pedir coisas boas a Deus, para que elas aconteçam em nossas vidas”, disse Maria
Rita Oliveira Melo, uma das visitadas pelos missionários.
Moradora da Rocinha há 35 anos, a paroquiana Maria Edileusa
Braga Freires confirma que o acesso às casas dificulta o trabalho pastoral.
“Tem que ter muito pique”, comenta.
Conhecida no morro por participar de projetos sociais,
contou sua satisfação em visitar o conjunto de casas situado no lugar mais alto
do morro, conhecido como Noventa e Nove. “É um povo muito abandonado, com situações
de extrema pobreza. Eles pediram a construção de uma capela”, disse Maria
Edileusa.
“Fiquei feliz com a visita. Espero que, da próxima vez, eu
esteja com saúde para receber bem todos vocês. Desejo que sejam felizes, e que
possam trazer muitas pessoas até Deus”, disse Rosa Maria Almeida, moradora da
Rocinha há mais de 30 anos.
Discípulos
missionários
“Você está vendo
alguém de cara feia? Forçado a realizar a missão?”, indagou o coordenador arquidiocesano
da Pastoral das Favelas, monsenhor Luiz Antônio Pereira Lopes. Ele explicou
que os cristãos deveriam ser mais conscientes, sair das sacristias e reuniões
para ir ao encontro dos outros. Foi mais longe: disse que as pessoas deveriam
entrar no processo da missão, e ver como é bom falar e trazer as pessoas para
mais perto de Deus.
“A missão anima os missionários e a comunidade local. Ela
deve ser constante, porque faz parte da dinâmica da Igreja, que é missionária
por natureza. Nesses dois dias estou vendo todos felizes subindo e descendo
ladeiras, na alegria de serem discípulos missionários de Jesus”, destacou
monsenhor Luiz Antônio.
“Admiro o incentivo que nosso arcebispo Dom Orani está dando
à dimensão missionária. A visita aqui realizada é inédita. Até agora, só
fizemos missão em âmbito paroquial. Vejo que a troca de experiência é muito
produtiva, reforçando a missão. Ela foi muito positiva para a comunidade, que
viu o envolvimento de pessoas de outros bairros, de outras paróquias”, disse
Maria Edileusa.
“A participação na vida da Igreja, os conhecimentos que
estou adquirindo em fazer parte da Pastoral do Batismo, me levam a exercer com
intensidade a Palavra de Deus. Nada melhor do que uma comunidade como a da
Rocinha para fazer isso na prática”, disse o jovem Igor Carvalho Pacheco, da
Paróquia Santa Rosa de Lima, do Jardim América.
UNIDADE NA MISSÃO
De acordo com o monsenhor Luiz Antônio, o trabalho em
conjunto é muito importante para somar resultados e como testemunho da missão.
“Sabemos que a missão é todo dia, pois quem vive e trabalha
em comunidade como essa sabe que os apelos são diários. Por isso, viemos para
apoiar tudo o que é feito na comunidade, confirmando até o trabalho realizado
pelos demais padres que passaram por aqui plantando a semente do Evangelho”,
explicou.
O coordenador explicou que a Pastoral das Favelas não fica
somente na dimensão social, mas também se preocupa com ação evangelizadora,
cuja vertente está intimamente enraizada na Doutrina Social da Igreja. Disse
que o poder público não faz o que deve, mas admite que a Igreja pode fazer
mais, a sua parte.
“A presença marca a vida das pessoas. A missão do padre e do
leigo não é só rezar, mas estar presente na caminhada dos irmãos. Não só nos
momentos de alegria, mas principalmente na doença, na necessidade, na hora da
morte de um ente querido da família”, destacou.
Reforçando a missão, estavam presentes o pároco e mais 16
missionários da Paróquia São Sebastião, de Olaria. Visitados no ano passado,
durante a missão realizada no Complexo do Alemão, eles vieram, em sinal de
gratidão, encorajar os missionários e a comunidade local.
“Ao abrir espaço para que o Evangelho chegue às pessoas,
isso traz confiança e anima a missão. As dificuldades existem, mas não pode
ser empecilho para que o trabalho seja implementado, tenha continuidade. A
missão sempre muda o rosto de uma paróquia”, afirmou o padre Ademir Martini, da
Paróquia São Sebastião.
CARLOS MOIOLI
FOTO: CARLOS MOIOLI