O amor, antes de ser o fundamento da vida matrimonial, é o
fundamento e a realização da vida humana. “Deus, que criou o homem por amor,
também o chamou para o amor, vocação fundamental e inata de todo ser humano,
pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, que é amor” (Catecismo
da Igreja Católica, nº 1604). Criados pelo amor de Deus, o ser humano é
relacionado ao amor fontal – Deus – e a estabelecer relações de amor. Disse o
Papa João Paulo II, de saudosa memória: “O homem não pode viver sem amor. Ele
permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de
sentido se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se
não o experimenta e se não o torna algo próprio, se dele não participa
vivamente”.
O amor é o grande fundamento da vida matrimonial. O amor
conjugal é uma resposta a um chamado, a resposta a viver a vocação ao amor. O
matrimônio não é só a decisão de um homem e de uma mulher: é a graça que atrai
duas pessoas maduras, conscientes, contentes a dar um sentido definitivo à
própria liberdade. O amor de um homem e de uma mulher revela algo do mistério
de Deus.
A relação de Deus com seu povo no Antigo Testamento, mesmo
sendo um pacto jurídico, ultrapassa o nível das coisas jurídicas: da parte de
Deus, supõe amor e fidelidade, o hesed (Ex 34, 6-7; Dt 7, 7-8); da parte de
Israel exige também amor, fidelidade, hesed (Dt 6,4; Os 4,2; 6,6). O pacto (berît)
entre um homem e uma mulher está também estreitamente vinculado com elementos
de ordem afetiva: o amor, a fidelidade, o apego do coração (hesed).
A relação homem e mulher – o matrimônio – toma a partir de
Jesus o seu significado pleno que já estava escrito nas origens e que deveria
ser plenificado à luz do mistério de Cristo. A configuração esponsal Cristo-Igreja
apontará o sentido pleno do plano originário de Deus para a união do homem e da
mulher.
São Paulo, na Epístola aos Efésios 5, 22-33, coloca o amor
de Cristo pela Igreja como fundamento da união do homem e da mulher, do
sacramento do matrimônio. Nos versículos 29-33, é a unidade do amor enquanto
unidade de uma só carne e de um só corpo que constitui o paralelismo entre
Cristo, Igreja e o matrimônio. Diz o texto: “... Pois ninguém jamais quis mal à
sua própria carne, antes a alimenta e dela cuida, como também faz Cristo com a
Igreja, porque somos membros do seu corpo. Por isso deixará o homem o seu pai e
a sua mãe e se ligará à sua mulher, e serão ambos uma só carne. É grande este
mistério: refiro-me à relação entre Cristo e a Igreja. Em resumo, cada um de
vós ame a sua mulher como a si mesmo e a mulher respeite o seu marido”.
O matrimônio, portanto, radica-se no mistério de Deus em
sentido muito mais radical do que possamos imaginar. Ele está em relação real,
essencial, intrínseca com o mistério da união de Cristo com a Igreja; tem a
sua raiz nele, encontra-se imbricado organicamente com ele e, portanto
participa da sua natureza e do seu caráter sobrenatural.
Desta realidade emerge a missão da família no mundo de
hoje. “Familiaris Consortio” 13, afirma: “Os esposos são, portanto, para a
Igreja o chamamento permanente daquilo que aconteceu sobre a Cruz; são um para
o outro, e para os filhos, testemunhas da salvação da qual o sacramento os faz
participar. Deste acontecimento de salvação, o matrimônio como cada sacramento,
é memorial, atualização e profecia: ‘Enquanto memorial, o sacramento dá-lhes a
graça e o dever de recordar as grandes obras de Deus e de as testemunhar aos
filhos; enquanto atualização, dá-lhes a graça e o dever de realizar no
presente, um para com o outro e para com os filhos, as exigências de um amor
que perdoa e que redime; enquanto profecia dá-lhes a graça e o dever de viver
e de testemunhar a esperança do futuro encontro com Cristo’ ”.
A família deve ser, assim, memória, atualização e profecia.
Como memória, deve recordar as grandes obras de Deus e testemunhá-las aos
filhos; como atualização, realizar no presente, um para o outro e para os
filhos, as exigências de um amor que perdoa e redime. O casal cristão é
chamado assim a ser, na Igreja, manifestação do amor para o mundo, não de um
amor passageiro, coisificado, que ofende a dignidade da pessoa humana, mas do
amor duradouro, que se fundamenta no amor de Cristo pela Igreja e, por isso,
sinal da graça para o mundo. E, por fim, deve ser profecia e testemunhar a
esperança do futuro encontro com Cristo.
DOM PAULO CEZAR COSTA
BISPO AUXILIAR DO RIO DE JANEIRO
FOTO: SXC.HU