“Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil! Cidade Maravilhosa,
coração do meu Brasil!” Desde 1935, os versos do hino “Cidade Maravilhosa”,
escritos por André Filho, que exaltam a cidade do Rio de Janeiro e tudo o que lhe
é peculiar, como suas belezas naturais e sua cultura, são cantados pelo povo
carioca e por quem a admira.
No dia 1º de julho, essa beleza foi mais que confirmada pela
Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura):
o Rio de Janeiro conquistou o título de Patrimônio Mundial como Paisagem
Cultural Urbana.
A decisão foi tomada por unanimidade numa reunião do comitê
de países da Unesco em
São Petersburgo , na Rússia. Além de suas belezas naturais,
também foram consideradas a harmonia e a integração das intervenções feitas
pelo homem com a paisagem original. Agora, com a honraria, a cidade tem um
desafio: o dever de ter a paisagem preservada para não perder o título.
O reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-Rio), doutor em Ciências Biológicas (Biologia Vegetal), padre
Josafá Carlos de Siqueira, disse sentir-se profundamente agradecido a Deus por
ter sido propício a este pedaço do território brasileiro tão pequeno e, ao
mesmo tempo, tão rico em suas expressões culturais, sociais e ambientais.
Segundo ele, o Rio de Janeiro consegue unir dois elementos importantes: o dedo
de Deus com o dedo dos homens.
“O dedo de Deus propiciou a evolução fantástica desta
paisagem extraordinária, entre mar e florestas, convivendo e interagindo com
a sociedade. Ao mesmo tempo, a obra humana consegue transformar os espaços,
cooperar e manter esta tríplice fusão entre Deus, homem e natureza”, destacou
padre Josafá.
O Rio é a primeira cidade do mundo a ser incluída no
conceito de paisagem cultural urbana. Até hoje, as regiões reconhecidas
mundialmente como paisagem cultural estiveram relacionadas a áreas rurais,
sistemas agrícolas tradicionais, jardins históricos e outros locais de cunho
simbólico, religioso e afetivo. O conceito foi criado pela Unesco em 1992.
Desde então, faz parte da lista de Patrimônio Mundial.
A cidade do Rio se candidatou pela primeira vez a Patrimônio
Mundial em 2002, porém não ganhou a designação. Para a indicação ao título, em
setembro
de 2009, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), em parceria com o governo estadual, a prefeitura, a Fundação
Roberto Marinho e a Associação de Empreendedores Amigos da Unesco, apresentou à
organização um dossiê com argumentos que justificassem o valor da cidade com
referência à interação entre sua beleza e seus moradores.
Entre os locais utilizados como justificativa para a
escolha, estão o Corcovado com o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, a Floresta
da Tijuca, o Aterro do Flamengo e a Praia de Copacabana. Bastante mencionado
pelo comitê técnico de candidatura do Rio, o Cristo Redentor, que recebe
milhares de turistas a cada ano, já tinha sido eleito uma das Sete Maravilhas
do Mundo Moderno em 2007. A
Baía de Guanabara, definida pelo Pão de Açúcar em um extremo, na cidade do Rio,
e o morro do Pico no outro, em Niterói, é considerada o berço do Rio de
Janeiro e atravessa bairros tradicionais, como Botafogo e Flamengo. Ela foi o
primeiro ponto da cidade identificado pelos portugueses em 1502, quando acreditavam
ter descoberto um rio.
A Floresta da Tijuca abriga uma rica biodiversidade com
espécies em perigo de extinção e foi nomeada, em 1991, Reserva Mundial da
Biosfera pela Unesco. Também foram lembrados a praia de Copacabana, com seu
famoso calçadão de pedras portuguesas, e o bairro de Ipanema, que inspirou
o surgimento da Bossa Nova. Destino turístico por
excelência, a Cidade Maravilhosa também é famosa por seu carnaval, que todos os
anos atrai milhares de pessoas para suas ruas em fevereiro.
Para o doutor em Filosofia, professor de Estética do Departamento
de Filosofia da PUC-Rio e curador do Museu de Arte Moderna (MAM), Luiz Camillo
Osório, os elementos construtivos, criados pelo homem, muitas vezes pontuam
culturalmente o espaço, valorizando a paisagem natural.
“O Corcovado, por exemplo, faz com que uma topografia muito sinuosa como a do Rio, em determinado ponto, destaque-se pela presença do Cristo Redentor; o Pão de Açúcar fica mais destacado pelo bondinho, que faz a ligação entre os dois morros; o Museu de Artes Modernas, no Aterro, tem uma inteligência para pensar a relação entre a cidade e a natureza, com a circulação ou o paisagismo de Burle Marx; e o Aterro do Flamengo integra muito bem as curvas da baía de Guanabara com a circulação dos carros”, explicou.
“O Corcovado, por exemplo, faz com que uma topografia muito sinuosa como a do Rio, em determinado ponto, destaque-se pela presença do Cristo Redentor; o Pão de Açúcar fica mais destacado pelo bondinho, que faz a ligação entre os dois morros; o Museu de Artes Modernas, no Aterro, tem uma inteligência para pensar a relação entre a cidade e a natureza, com a circulação ou o paisagismo de Burle Marx; e o Aterro do Flamengo integra muito bem as curvas da baía de Guanabara com a circulação dos carros”, explicou.
Um outro ponto que se destaca no Rio de Janeiro são as
igrejas históricas. De acordo com o coordenador da Comissão Arquidiocesana de
Arte Sacra, monsenhor José Roberto Devellard, há uma harmonia na intervenção do
homem na paisagem com a construção dos monumentos religiosos.
“Em sua vinda ao Brasil, o próprio beato João Paulo II chamou a cidade de uma arquitetura
divina. Desde o Santuário de Nossa Senhora da Penha, passando pelo Mosteiro de
São Bento, a grande maioria das igrejas do Rio estão conservadas. E,
logicamente o carro-chefe é o Cristo Redentor, o mais importante monumento de
todo o Brasil”, frisou.
ENFRENTAR AS MAZELAS PARA HONRAR E NÃO PERDER O TÍTULO
Com o título conquistado, a cidade do Rio precisa ficar
constantemente atenta para a preservação da paisagem, pois ela não poderá ser
danificada. De tempos em tempos, o Iphan terá que enviar relatórios à Unesco
para comprovar que nenhuma modificação maior foi realizada. Se isso não
ocorrer, o Rio pode ter seu título cassado.
Além disso, apesar de toda a beleza e do povo acolhedor, a
cidade, hoje, rumo aos 450 anos que completará em 2015, ainda convive com
alguns problemas, assim como qualquer metrópole.
De acordo com Camillo, esteticamente, não se levou em
consideração durante muito tempo, a intervenção humana harmonizando com a
paisagem e dando ao elemento construtivo uma integração que valorizasse o
espaço visível.
“Em termos de urbanismo nos últimos anos, a intervenção foi
muito agressiva e prejudicou não somente a paisagem natural como as condições
de vida na cidade. Por exemplo, os prédios bloqueiam a passagem de vento e
criam sombra na praia, o que é, de um modo geral, esteticamente sofrível, e as
avenidas cruzam espaços da cidade que deveriam ter uma preocupação com a
paisagem”, ressaltou.
RENATO FRANCISCO
FOTO: GUSTAVO DE OLIVEIRA