segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Presença fraterna da Igreja na Rocinha



“Diante de uma diversidade de situações, como a pobreza, o abandono e a violência, o grande desafio da Igreja é ser uma pre­sença mais atuante e fraterna na vida das pessoas”, explicou frei James Girardi, atual pároco da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, na Rocinha.
Entre os dias 28 e 29 de julho, ele acolheu na comunidade paro­quial mais de 200 missionários, que subiram e desceram ladeiras entre becos e vielas para levar a Palavra de Deus aos moradores da mais complexa do Rio de Janeiro, uma das maiores da América Latina.
A primeira visita missioná­ria do ano foi organizada pelo coordenador arquidiocesano da Pastoral Missionária, padre Lu­dendorff Cohen Couto (Licinho). Ele também é responsável pelo Conselho Missionário no Regio­nal Episcopal Leste 1 da CNBB.
“Frei James nos acolheu com muita alegria, abriu as portas e mobilizou a sua comunidade para acolher os missionários. A missão foi um sucesso, envolvendo cinco padres e missionários de diversas paróquias do Rio, e também das dioceses de Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Entre os missioná­rios, a presença de 16 jovens ita­lianos acompanhados pelo padre Renato Chiera, fundador da Casa do Menor São Miguel Arcanjo”, explicou padre Licinho.
Antes de sair de casa em casa, os missionários se reuniram no sábado de manhã, para rezar e traçar as linhas de trabalho. A missão foi organizada, nos mol­des das anteriores, mas com base na realidade local.
“A Rocinha é uma comunida­de muito complexa por causa da diversidade de situações. Agora estamos em processo de pacifi­cação, o que é positivo, mas falta muito para que as pessoas tenham o respeito que merecem como cidadãos”, ressaltou frei James.
A Igreja está presente na Rocinha desde 1930, tendo sido construídas inicialmente uma pequena capela e uma escola de alfabetização. Dedicada a Nossa Senhora da Boa Viagem, a paróquia foi erigida em 1985, dirigida por mais de 20 anos pelo monsenhor Manoel de Oliveira Manangão, até que, em 2007, foi confiada novamente aos padres franciscanos da Província Imacu­lada Conceição do Brasil.
“A finalidade da missão é ser uma presença amorosa de Deus, dizer explicitamente que Ele é pai, que é amor, e está presente na vida das pessoas apesar das dificuldades. É o que cada um procurou fazer nesses dois dias. Acredito que a missão fez bem para os missionários, e muito mais para fiéis da comunidade, despertando o quanto ainda há para fazer”, assinalou frei James.
No domingo, além das visitas, houve paralelamente oficinas para crianças, jovens e casais, com temas específicos de inte­resse, tanto na matriz como na Capela São José. A missão foi encerrada na matriz, às 17h, com Celebração Eucarística.
De acordo com o padre Li­cinho, no ano passado foram realizadas quatro missões: no Complexo do Alemão, na Penha e duas vezes na Maré. Ainda não confirmada, a próxima missão será no Morro da Providência, em outubro próximo. Também está confirmada mais uma missão em Paranatinga (MT), de 7 a 22 de agosto, com a presença de 45 missionários.

DE CASA EM CASA
Foi unanimidade, entre os missionários, que todos foram bem recebidos, que a missão foi enriquecedora, e que o maior desafio foi o acesso às casas. Não é por menos: o morro da Roci­nha é íngreme, cortado apenas por uma rua principal, que se inicia na Gávea e vai até São Conrado. As casas, muitas delas sem calçadas nem quintais, em geral foram construídas uma em cima da outra.
“O acesso dificultou a visita a mais casas”, lembrou Virginia Di­niz de Carvalho, da Paróquia São Marcos, da Barra da Tijuca. Ela, que não conhecia a comunidade, contou que a missão foi produti­va, deparando-se com situações de muita pobreza, famílias com crianças especiais, idosos com dificuldade de ir e vir, principal­mente para cuidar da saúde.
“Visitei casas de evangélicos, mas também de muitos católi­cos. Percebe-se que a Igreja local é ativa, com a presença de várias capelas no território paroquial. Fiquei feliz por ver pessoas que amam a Igreja. Muitas famílias pediram assistência, outras para batizar os filhos, e até para serem evangelizadas. Constatei que muitos fiéis participam, por causa da extensão da Rocinha, de paróquias da Gávea ou do Leblon”, afirmou Virginia.
“Gostei da visita, pois vieram falar de Deus. Leram o Evan­gelho e rezamos juntos. Neste mundo perigoso, o que mais precisamos é de Deus. Tenho costume de rezar ao levantar, ao dormir e quando vou trabalhar. Precisamos pedir coisas boas a Deus, para que elas aconteçam em nossas vidas”, disse Maria Rita Oliveira Melo, uma das visitadas pelos missionários.
Moradora da Rocinha há 35 anos, a paroquiana Maria Edileusa Braga Freires confirma que o acesso às casas dificulta o trabalho pastoral. “Tem que ter muito pique”, comenta.
Conhecida no morro por participar de projetos sociais, contou sua satisfação em visitar o conjunto de casas situado no lugar mais alto do morro, conhe­cido como Noventa e Nove. “É um povo muito abandonado, com si­tuações de extrema pobreza. Eles pediram a construção de uma capela”, disse Maria Edileusa.
“Fiquei feliz com a visita. Espero que, da próxima vez, eu esteja com saúde para receber bem todos vocês. Desejo que se­jam felizes, e que possam trazer muitas pessoas até Deus”, disse Rosa Maria Almeida, moradora da Rocinha há mais de 30 anos.

Discípulos missionários
“Você está vendo alguém de cara feia? Forçado a realizar a missão?”, indagou o coordenador arquidiocesano da Pastoral das Favelas, monsenhor Luiz Antô­nio Pereira Lopes. Ele explicou que os cristãos deveriam ser mais conscientes, sair das sacris­tias e reuniões para ir ao encon­tro dos outros. Foi mais longe: disse que as pessoas deveriam entrar no processo da missão, e ver como é bom falar e trazer as pessoas para mais perto de Deus.
“A missão anima os mis­sionários e a comunidade local. Ela deve ser constante, porque faz parte da dinâmica da Igreja, que é missionária por natureza. Nesses dois dias estou vendo todos felizes subindo e descendo ladeiras, na alegria de serem discípulos missionários de Jesus”, desta­cou monsenhor Luiz Antônio.
“Admiro o incentivo que nosso arcebispo Dom Orani está dando à dimensão missio­nária. A visita aqui realizada é inédita. Até agora, só fizemos missão em âmbito paroquial. Vejo que a troca de experiência é muito produtiva, reforçando a missão. Ela foi muito positiva para a comunidade, que viu o envolvimento de pessoas de outros bairros, de outras pa­róquias”, disse Maria Edileusa.
“A participação na vida da Igreja, os conhecimentos que estou adquirindo em fazer parte da Pastoral do Batismo, me levam a exercer com inten­sidade a Palavra de Deus. Nada melhor do que uma comuni­dade como a da Rocinha para fazer isso na prática”, disse o jovem Igor Carvalho Pacheco, da Paróquia Santa Rosa de Lima, do Jardim América.

UNIDADE NA MISSÃO
De acordo com o monse­nhor Luiz Antônio, o trabalho em conjunto é muito impor­tante para somar resultados e como testemunho da missão.
“Sabemos que a missão é todo dia, pois quem vive e trabalha em comunidade como essa sabe que os apelos são diários. Por isso, viemos para apoiar tudo o que é feito na comunidade, confirmando até o trabalho realizado pelos demais padres que passaram por aqui plantando a semente do Evangelho”, explicou.
O coordenador explicou que a Pastoral das Favelas não fica somente na dimensão so­cial, mas também se preocupa com ação evangelizadora, cuja vertente está intimamente enraizada na Doutrina Social da Igreja. Disse que o poder público não faz o que deve, mas admite que a Igreja pode fazer mais, a sua parte.
“A presença marca a vida das pessoas. A missão do padre e do leigo não é só rezar, mas estar presente na caminhada dos irmãos. Não só nos momentos de alegria, mas principalmen­te na doença, na necessidade, na hora da morte de um ente querido da família”, destacou.
Reforçando a missão, esta­vam presentes o pároco e mais 16 missionários da Paróquia São Sebastião, de Olaria. Visi­tados no ano passado, durante a missão realizada no Comple­xo do Alemão, eles vieram, em sinal de gratidão, encorajar os missionários e a comunidade local.
“Ao abrir espaço para que o Evangelho chegue às pes­soas, isso traz confiança e anima a missão. As dificul­dades existem, mas não pode ser empecilho para que o trabalho seja implementado, tenha continuidade. A missão sempre muda o rosto de uma paróquia”, afirmou o padre Ademir Martini, da Paróquia São Sebastião.

CARLOS MOIOLI
FOTO: CARLOS MOIOLI