sexta-feira, 13 de julho de 2012

Rio conquista título mundial como paisagem cultural



“Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil! Cidade Mara­vilhosa, coração do meu Brasil!” Desde 1935, os versos do hino “Cidade Maravilhosa”, escritos por André Filho, que exaltam a cida­de do Rio de Janeiro e tudo o que lhe é peculiar, como suas belezas naturais e sua cultura, são cantados pelo povo carioca e por quem a admira.
No dia 1º de julho, essa beleza foi mais que confirmada pela Unesco (Organização das Na­ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura): o Rio de Janeiro conquistou o título de Patrimônio Mundial como Pai­sagem Cultural Urbana.
A decisão foi tomada por unanimidade numa reunião do comitê de países da Unesco em São Petersburgo, na Rússia. Além de suas belezas naturais, também foram consideradas a harmonia e a integração das intervenções feitas pelo homem com a paisagem original. Agora, com a honraria, a cidade tem um desafio: o dever de ter a paisagem preservada para não perder o título.
O reitor da Pontifícia Univer­sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), doutor em Ciências Biológicas (Biologia Vegetal), padre Josafá Carlos de Siqueira, disse sentir-se profundamente agradecido a Deus por ter sido propício a este pedaço do terri­tório brasileiro tão pequeno e, ao mesmo tempo, tão rico em suas expressões culturais, so­ciais e ambientais. Segundo ele, o Rio de Janeiro consegue unir dois elementos importantes: o dedo de Deus com o dedo dos homens.
“O dedo de Deus propi­ciou a evolução fantástica desta paisagem extraor­dinária, entre mar e florestas, convi­vendo e interagindo com a sociedade. Ao mesmo tempo, a obra humana consegue transformar os espa­ços, cooperar e manter esta trí­plice fusão entre Deus, homem e natureza”, destacou padre Josafá.
O Rio é a primeira cidade do mundo a ser incluída no conceito de paisagem cultural urbana. Até hoje, as regiões reconhecidas mundialmente como paisagem cultural estiveram relacionadas a áreas rurais, sistemas agrícolas tradicionais, jardins históricos e outros locais de cunho simbóli­co, religioso e afetivo. O conceito foi criado pela Unesco em 1992. Desde então, faz parte da lista de Patrimônio Mundial.
A cidade do Rio se candida­tou pela primeira vez a Patrimô­nio Mundial em 2002, porém não ganhou a designação. Para a indicação ao título, em setembro
de 2009, o Instituto do Patrimô­nio Histórico e Artístico Nacio­nal (Iphan), em parceria com o governo estadual, a prefeitura, a Fundação Roberto Marinho e a Associação de Empreendedores Amigos da Unesco, apresentou à organização um dossiê com argumentos que justificassem o valor da cidade com referência à interação entre sua beleza e seus moradores.
Entre os locais utilizados como justificativa para a escolha, estão o Corcovado com o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, a Floresta da Tijuca, o Aterro do Flamengo e a Praia de Copacabana. Bastante mencionado pelo comitê técnico de candidatura do Rio, o Cristo Redentor, que recebe milhares de turistas a cada ano, já tinha sido eleito uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno em 2007. A Baía de Guanabara, definida pelo Pão de Açúcar em um extremo, na cidade do Rio, e o morro do Pico no outro, em Niterói, é con­siderada o berço do Rio de Janeiro e atravessa bairros tradicionais, como Botafogo e Flamengo. Ela foi o primeiro ponto da cidade identificado pelos portugueses em 1502, quando acreditavam ter descoberto um rio.
A Floresta da Tijuca abriga uma rica biodiversidade com espécies em perigo de extinção e foi nomeada, em 1991, Reserva Mundial da Biosfera pela Unes­co. Também foram lembrados a praia de Copacabana, com seu famoso calçadão de pedras portuguesas, e o bairro de Ipanema, que ins­pirou
o surgimento da Bossa Nova. Destino turístico por excelência, a Cidade Maravilhosa também é famosa por seu carnaval, que todos os anos atrai milhares de pessoas para suas ruas em fevereiro.
Para o doutor em Filosofia, professor de Estética do Depar­tamento de Filosofia da PUC-Rio e curador do Museu de Arte Moderna (MAM), Luiz Camillo Osório, os elementos construti­vos, criados pelo homem, muitas vezes pontuam culturalmente o espaço, valorizando a paisa­gem natural.
“O Corcovado, por exemplo, faz com que uma topografia muito sinuosa como a do Rio, em determinado pon­to, destaque-se pela presença do Cristo Redentor; o Pão de Açúcar fica mais destacado pelo bondinho, que faz a ligação entre os dois morros; o Museu de Artes Modernas, no Aterro, tem uma inteligência para pensar a relação entre a cidade e a natureza, com a circulação ou o paisagismo de Burle Marx; e o Aterro do Flamengo integra muito bem as curvas da baía de Guanabara com a circulação dos carros”, explicou.
Um outro ponto que se desta­ca no Rio de Janeiro são as igrejas históricas. De acordo com o coor­denador da Comissão Arquidio­cesana de Arte Sacra, monsenhor José Roberto Devellard, há uma harmonia na intervenção do ho­mem na paisagem com a constru­ção dos monumentos religiosos.
“Em sua vinda ao Brasil, o próprio beato João Paulo II chamou a cidade de uma arquitetura divina. Desde o Santuário de Nossa Se­nhora da Penha, passando pelo Mosteiro de São Bento, a grande maioria das igrejas do Rio estão conservadas. E, logicamente o carro-chefe é o Cristo Redentor, o mais importante monumento de todo o Brasil”, frisou.

ENFRENTAR AS MAZELAS PARA HONRAR E NÃO PERDER O TÍTULO
Com o título conquistado, a cidade do Rio precisa ficar constantemente atenta para a preservação da paisagem, pois ela não poderá ser danificada. De tempos em tempos, o Iphan terá que enviar relatórios à Unesco para comprovar que nenhuma modificação maior foi realizada. Se isso não ocorrer, o Rio pode ter seu título cassado.
Além disso, apesar de toda a beleza e do povo acolhedor, a cidade, hoje, rumo aos 450 anos que completará em 2015, ainda convive com alguns problemas, assim como qualquer metrópole.
De acordo com Camillo, esteticamente, não se levou em consideração durante muito tempo, a intervenção humana harmonizando com a paisagem e dando ao elemento construtivo uma integração que valorizasse o espaço visível.
“Em termos de urbanismo nos últimos anos, a intervenção foi muito agressiva e prejudicou não somente a paisagem natural como as condições de vida na cidade. Por exemplo, os prédios bloqueiam a passagem de vento e criam sombra na praia, o que é, de um modo geral, estetica­mente sofrível, e as avenidas cruzam espaços da cidade que deveriam ter uma preocu­pação com a paisagem”, ressaltou.

RENATO FRANCISCO
FOTO: GUSTAVO DE OLIVEIRA