segunda-feira, 12 de abril de 2010

O papel do leigo na Igreja

A iniciativa dos leigos em manifestar a sua posição em defesa da Igreja e do Papa Bento XVI na Europa, leva à uma importante reflexão para a Igreja também no Brasil.
O Documento de Aparecida, resultado da V Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe lembra, citando o Documento de Puebla, que “os leigos são homens da Igreja no coração do mundo e homens do mundo no coração da Igreja” (Puebla 786). Através da força, do trabalho e do testemunho do leigo a Igreja estende seus “braços” na evangelização. E em tempos difíceis essa missão se torna ainda mais latente e vital, na qual os leigos mostram o rosto do Cristo no mundo.
Para falar um pouco sobre esse tema, O Testemunho de Fé entrevistou Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.

O Testemunho de Fé – A atuação do leigo na vida da Igreja sempre foi de grande importância, mas, nas últimas décadas, esse papel e essa interação têm sido vital. Como a senhora analisa essa mudança?
Maria Clara Bingemer – O Concílio Vaticano II foi o grande responsável por essa valorização do laicato na vida da Igreja.  Na verdade, o que fez o Concílio foi apenas constatar que o laicato constitui a grande, a esmagadora maioria do povo de Deus e que não se pode construir a Igreja nem dar as respostas que o mundo moderno dela espera sem contar com os leigos e sua força apostólica.
Na América Latina, as conferências de Medellín e de Puebla  recolheram essa intuição do Vaticano II e reforçaram a importância do laicato na opção pelos pobres e na constituição das bases comunitárias que o episcopado continental assumia.  A conferência de Santo Domingo, em 1992, colocou o protagonismo dos leigos como condição sine qua non da nova evangelização. E  agora Aparecida, em 2007, ao falar da categoria central do discípulo-missionário é sem dúvida ao cristão leigo, homem ou mulher, que se está referindo. 
Creio que a Igreja como um todo e muito concretamente a Igreja hierárquica se deu conta que sem a força viva que representa o laicato não pode cumprir sua missão no mundo de hoje, não pode chegar à maioria dos ambientes, num mundo que é secularizado e onde o cristianismo histórico não possui mais a hegemonia que tinha. Há que contar com os leigos para que o Evangelho chegue aos quatro cantos da Terra, em obediência ao mandato de Jesus de Nazaré.

TF – Isso faz parte de uma nova identidade do cristão em assumir seu papel no mundo, dar testemunho da fé que professa?
Maria Clara – Na verdade isso não é novo.  Data das origens do cristianismo.  Desde que o cristianismo se autocompreende como proposta de vida e caminho de salvação, entende-se claramente que não há maneira de ser cristão pela metade. Todo cristão é chamado a dar testemunho da fé que professa até o derramamento de sangue, se preciso for.  É, portanto, constitutiva da fé cristã a radicalidade da pertença, do compromisso e do testemunho que essa pertença e esse compromisso implicam.  Na Igreja antiga isso se via de maneira esplêndida. Entre os mártires e confessores havia pessoas que não eram ordenadas para o ministério e eram fiéis cristãos apenas. (...) Na verdade, o que o Concílio Vaticano II faz é resgatar esse chamado à santidade que é para todo cristão, inclusive, como não podia deixar de ser, para o cristão leigo, que andava meio esquecido disso. Mas até que um processo de séculos possa ser revertido passa um certo tempo.  

TF – Em que áreas pode se destacar essa presença?
Maria Clara – Creio que a presença do leigo se destacou muito nos últimos tempos em algumas áreas onde antes não era tão percebida. Intraeclesialmente eu diria que na Teologia, na liderança espiritual são as áreas de maior destaque. Essas eram áreas onde antes apenas o clero entrava e liderava. E hoje se veem vários leigos, homens e mulheres, trabalhando aí e com muito fruto.  Na sociedade, creio que foi na síntese entre fé e política o lugar onde se percebeu mais a presença laical. A meu ver, ainda falta muito para que o laicato se organize para atuar mais fortemente no campo das ideias e da cultura, para transformar e impregnar de Evangelho essas áreas que estão entre aquelas onde a secularização e o indiferentismo religioso mais influíram.