ALÉM DO LIMITE DO HOMEM E DA MULHER
O mundo não recuperou o impacto da tragédia ocorrida no Haiti. Devastado, o país ainda não superou as consequências nefastas da tragédia que sobre ele se abateu. Longo, lento e imprevisível será o caminho da reconstrução. No entanto, retoma novo ânimo de se recriar e de se reconstituir.
Também as notícias dos acontecimentos trágicos no Chile são portadoras de inquieta perplexidade. Não deixa ninguém insensível diante do sofrimento dos sobreviventes. Eles padecem a dor de várias perdas: os depoimentos pessoais comprovam e as imagens televisivas confirmam. Diante do quadro humano desolador, somos impelidos à solidariedade e à compaixão, através da caridade eclesial, organizada pelas instituições católicas. Inclui a oração pelos sobreviventes e os mortos. Somam-se às iniciativas da comunidade brasileira e da internacional para o resgate das vítimas e o auxílio material.
Tais calamidades dão a pensar. A humanidade experimenta o próprio limite ou finitude diante da natureza hostil ou indomável. Cruel ironia: a natureza dominada pela ciência e pela técnica, ambas tão avançadas pela inteligência que a manipula, resolve expressar-se em todo seu desvario. A terra firme sobre a qual o homem pisa, caminha, corre e dança, na qual alicerça suas casas e edifícios, treme forte e tudo faz desmoronar. Ela se revolve nas entranhas, enfurece o mar e, por brevíssimos instantes que parecem eternos, deixa de ser ponto de referência segura. Abdica da sua parceria com a vida e a existência humana. Rompe-se a harmonia cósmica. O homem e a mulher, em fração de segundos, perdem tudo que construíram e adquiriram durante anos. Sentem-se irremediavelmente sós ou perdidos em sua desventura, à mercê de si mesmos, sem perguntas e sem respostas. A seguir, procuram os parentes, enterram os mortos, recolhem o que sobrou e valorizam melhor o fato de estarem vivos. Se eles acreditam, elevam a mente a Deus, pedem misericórdia e até agradecem. Enfim, esperam a solicitude dos seus semelhantes e aguardam a presteza do Estado e dos recursos técnicos e financeiros das nações solidárias. Mas, para quem tem urgência toda atuação é lenta.
Tais calamidades dão a pensar sobre a grandeza e a miséria moral do homem e da mulher. Os fatos falam. Há gestos de generosidade de pessoas anônimas e voluntárias, somada à eficiência de instituições públicas ou privadas, equipadas para o socorro emergencial. Há a ajuda financeira de particulares, alguns até com vultosas somas. Contraditoramente há aqueles que se aproveitam da vulnerabilidade coletiva. Aderem ao caminho mais fácil e imediato dos saques e pilhagens que, em parte, se explicam pelo desespero da carência de alimentos e da escassez de água. Alguns, porém, compõem o grupo dos sem caráter, insensíveis e cínicos, que aproveitam para assaltar e roubar, aumentando a sensação do caos e do abandono. Constata-se, então, a possibilidade do vandalismo incontrolável, se as forças da ordem pública logo não intervierem para pôr os devidos limites.
Quem tem fé em Deus é chamado a renová-la para superar o infortúnio, recuperar a serenidade e alimentar a esperança em dias melhores. Favorece a reconstrução. Em contexto tão trágico, vale a recomendação do Apóstolo: “fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos da armadura de Deus!” (Ef 6, 10-11). É o que desejamos à Igreja Católica que está no Chile, sofrida, mas solidária. Quanto aos chilenos e sua amada pátria, auguramos que passem e ultrapassem tais momentos de dura provação com a união do seu povo e com o favor de Deus. Em brevíssimo tempo.