Sacerdotes celebram missa pela memória das vítimas da
Chacina da Candelária, pedem investimento do Estado na juventude e lamentam a
falta de transporte para trazer os participantes de outros municípios.
“Lembrar é resistir,
esquecer é permitir”. A frase, repetida durante o encontro inter-religioso
pelos 19 anos da Chacina da Candelária, no dia 27 de julho, retrata o objetivo
das diversas celebrações que aconteceram no Rio para alertar sobre a violência
contra menores em situação de rua. O evento, que reuniu autoridades,
integrantes dos movimentos que cuidam de crianças e adolescentes, e
associações de familiares de vítimas da violência, também recordou os 22 anos
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O encontro aconteceu logo após a missa em memória dos oito
meninos em situação de rua que foram mortos no dia 23 de julho de 1993,
enquanto dormiam próximo à Igreja da Candelária, no centro da Cidade. Este ano,
na noite do dia 23, no mesmo local, foi realizada a vigília das mães. A
Caminhada em Defesa da Vida, que seguiu da Igreja da Candelária até a
Cinelândia, foi realizada no início da tarde do dia 27.
Combater a violência contra crianças e jovens pobres,
especialmente negros, é uma das finalidades que movem os organizadores do
encontro a se reunirem em busca de soluções e melhores condições de vida para a
juventude. Mas, este ano, além de clamar pela paz e pela justiça, os
organizadores lamentaram a falta de ônibus para transportar os participantes de
outros municípios do Rio.
Diferentemente do que acontece todos os anos, as pessoas
que conseguiram estar presentes custearam por meios próprios a vinda à
Candelária. O coordenador da Pastoral das Favelas, monsenhor Luiz Antônio
Pereira, que presidiu a missa, criticou a falta de apoio institucional.
“Muitas pessoas, que gostariam de estar aqui, não puderam
vir porque não tinham como pagar suas passagens. Nós tínhamos a expectativa de
que o transporte seria oferecido pelo governo, mas infelizmente isso não
aconteceu. O importante é que, apesar de tudo isso, nós conseguimos encher a
Candelária, e representantes de diversos movimentos e líderes religiosos
puderam manifestar sinais de esperança para que a sociedade acorde e trabalhe
para a justiça”, afirmou o sacerdote.
O Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente
(Cedca), informou que existe uma verba, dentro do Fundo Estadual, e em
consonância com o plano de ação do Conselho, que estava destinada ao evento na
Candelária mas o dinheiro não pôde ser liberado por questões administrativas.
A falta do coordenador da Comissão de Administração do Conselho, que deve ser
indicado pelo governo estadual, impediu a realização do processo de licitação.
O presidente do Cedca, José Pinto Monteiro, estima que cerca de três mil
pessoas deixaram de participar do evento.
As outras tentativas para conseguir os ônibus não foram
possíveis porque, segundo o secretário estadual de Assistência Social e
Direitos Humanos, Antonio Claret Campos Filho, presente ao evento, no período
eleitoral existe uma restrição maior para determinadas formas de apoio aos
movimentos sociais.
Para o fundador da Comunidade São Miguel Arcanjo, que
acolhe meninos em situação de rua, padre Renato Chiera, que concelebrou a missa,
os presentes à celebração são “teimosos na esperança” porque acreditam em um
futuro melhor.
“Há 19 anos preparamos esse momento para conscientizar as
pessoas de que a vida é sagrada, independentemente de questões políticas ou
religiosas. Deveriam estar aqui milhares de pessoas, mas nós somos o ‘pequeno
rebanho’ que assumimos o compromisso de não desistir da luta pela vida”,
afirmou padre Renato.
Padre Renato alertou ainda sobre o desaparecimento de
crianças e jovens. “Estamos preparando eventos muito importantes, muita coisa
está melhorando, mas muito também será escondido debaixo do tapete. Muitas
coisas nos deixam preocupados, os meninos estão sumindo, estão indo para a
periferia, para o narcotráfico, para as cracolândias. Devemos encarar a verdade
e nos unir para encontrar o caminho certo para defender a vida, porque o nosso
Deus é Deus da esperança e da vida”, declarou ele.
Monsenhor Luiz Antônio reforçou que é preciso cuidar das
causas. “Crianças são abandonadas, sujeitas à própria sorte, vítimas da
pobreza, das drogas e sem o direito de viver. Todos os dias, uma quantidade
imensa de jovens dependentes do tráfico é recolhida. Se a sociedade investisse
mais na família, na infância e na adolescência, nós não teríamos tantos
menores abandonados. Faltam raízes: família, fé, educação e trabalho”, disse.
Monsenhor falou sobre o perigo de “maquiar” a cidade para
os grandes eventos turísticos e esportivos, através da simples retirada dos
menores das ruas.
“Nós não podemos transferir os problemas e colocar esses
jovens em um depósito, como se fossem animais. Mas temos que criar condições
para que essas crianças retornem, muitas vezes, a sua origem. É essencial
ajudar as famílias dessas crianças. O Estado precisa oferecer, através de parcerias
com diversas instituições, soluções para os problemas das comunidades mais
pobres, para que as crianças permaneçam em suas casas e tenham melhores oportunidades”,
orientou.
CLÁUDIA BRITO
FOTO: CARLOS MOIOLI