segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Caminho para a paz



Sacerdotes celebram missa pela memória das vítimas da Chacina da Candelária, pedem investimento do Estado na juventude e lamentam a falta de transporte para trazer os participantes de outros municípios.

“Lembrar é resistir, esquecer é permitir”. A frase, repetida du­rante o encontro inter-religioso pelos 19 anos da Chacina da Candelária, no dia 27 de julho, retrata o objetivo das diversas celebrações que aconteceram no Rio para alertar sobre a violência contra menores em situação de rua. O evento, que reuniu auto­ridades, integrantes dos movi­mentos que cuidam de crianças e adolescentes, e associações de familiares de vítimas da vio­lência, também recordou os 22 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O encontro aconteceu logo após a missa em memória dos oito meninos em situação de rua que foram mortos no dia 23 de julho de 1993, enquanto dormiam próximo à Igreja da Candelária, no centro da Cidade. Este ano, na noite do dia 23, no mesmo local, foi realizada a vigília das mães. A Caminhada em Defesa da Vida, que seguiu da Igreja da Candelá­ria até a Cinelândia, foi realizada no início da tarde do dia 27.
Combater a violência con­tra crianças e jovens pobres, especialmente negros, é uma das finalidades que movem os organizadores do encontro a se reunirem em busca de soluções e melhores condições de vida para a juventude. Mas, este ano, além de clamar pela paz e pela justiça, os organizadores lamentaram a falta de ônibus para transportar os participantes de outros muni­cípios do Rio.
Diferentemente do que acon­tece todos os anos, as pessoas que conseguiram estar presentes custearam por meios próprios a vinda à Candelária. O coordena­dor da Pastoral das Favelas, mon­senhor Luiz Antônio Pereira, que presidiu a missa, criticou a falta de apoio institucional.
“Muitas pessoas, que gosta­riam de estar aqui, não puderam vir porque não tinham como pagar suas passagens. Nós tí­nhamos a expectativa de que o transporte seria oferecido pelo governo, mas infelizmente isso não aconteceu. O importante é que, apesar de tudo isso, nós conseguimos encher a Candelá­ria, e representantes de diversos movimentos e líderes religiosos puderam manifestar sinais de esperança para que a sociedade acorde e trabalhe para a justiça”, afirmou o sacerdote.
O Conselho Estadual de De­fesa da Criança e do Adolescente (Cedca), informou que existe uma verba, dentro do Fundo Estadual, e em consonância com o plano de ação do Conselho, que estava destinada ao evento na Candelária mas o dinheiro não pôde ser liberado por ques­tões administrativas. A falta do coordenador da Comissão de Administração do Conselho, que deve ser indicado pelo governo estadual, impediu a realização do processo de licitação. O pre­sidente do Cedca, José Pinto Monteiro, estima que cerca de três mil pessoas deixaram de participar do evento.
As outras tentativas para con­seguir os ônibus não foram possí­veis porque, segundo o secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Antonio Claret Campos Filho, presente ao evento, no período eleitoral existe uma restrição maior para determinadas formas de apoio aos movimentos sociais.
Para o fundador da Comuni­dade São Miguel Arcanjo, que acolhe meninos em situação de rua, padre Renato Chiera, que concelebrou a missa, os presen­tes à celebração são “teimosos na esperança” porque acreditam em um futuro melhor.
“Há 19 anos preparamos esse momento para conscientizar as pessoas de que a vida é sagrada, independentemente de questões políticas ou religiosas. Deveriam estar aqui milhares de pessoas, mas nós somos o ‘pequeno re­banho’ que assumimos o com­promisso de não desistir da luta pela vida”, afirmou padre Renato.
Padre Renato alertou ain­da sobre o desaparecimento de crianças e jovens. “Esta­mos preparando eventos muito importantes, muita coisa está melhorando, mas muito tam­bém será escondido debaixo do tapete. Muitas coisas nos dei­xam preocupados, os meninos estão sumindo, estão indo para a periferia, para o narcotráfico, para as cracolândias. Devemos encarar a verdade e nos unir para encontrar o caminho certo para defender a vida, porque o nosso Deus é Deus da esperança e da vida”, declarou ele.
Monsenhor Luiz Antônio reforçou que é preciso cuidar das causas. “Crianças são aban­donadas, sujeitas à própria sorte, vítimas da pobreza, das drogas e sem o direito de viver. Todos os dias, uma quantidade imensa de jovens dependentes do tráfico é recolhida. Se a sociedade inves­tisse mais na família, na infância e na adolescência, nós não tería­mos tantos menores abandona­dos. Faltam raízes: família, fé, educação e trabalho”, disse.
Monsenhor falou sobre o pe­rigo de “maquiar” a cidade para os grandes eventos turísticos e esportivos, através da simples retirada dos menores das ruas.
“Nós não podemos transferir os problemas e colocar esses jovens em um depósito, como se fossem animais. Mas temos que criar condições para que essas crianças retornem, muitas vezes, a sua origem. É essencial ajudar as famílias dessas crianças. O Estado precisa oferecer, através de par­cerias com diversas instituições, soluções para os problemas das comunidades mais pobres, para que as crianças permaneçam em suas casas e tenham melhores oportunidades”, orientou.

CLÁUDIA BRITO
FOTO: CARLOS MOIOLI