A voz das ruas ainda se faz ouvir. Há de ser sentida por
algum tempo. Agora, passada a perplexidade inicial, tendo as avaliações de
especialistas, abre-se o exercício de buscar respostas e de procurar soluções
práticas para o clamor dos protestos. É o papel dos governantes. A eles cabe
tratar as reivindicações: ouvi-las, discerni-las, viabilizá-las.
Embora apartidário, o movimento ao nomear os problemas
responsabilizou o poder dos governantes. Distribuem-se agora na pauta das
decisões as prioridades de interesse da população. Quem poderia prever tal
exercício do poder, a partir do clamor advindo das ruas? Brado por melhorias
vitais, por mudanças de rumo, por correção da fraudulência e da corrupção, a
favor da saúde e da educação e da mobilidade, sobretudo, o combate à PEC 37.
Os protestos foram ato político, no sentido nobre de interesse
pelo bem de todos. Portanto, com dimensão ética e moral. A insatisfação fora legitimada
pela verdade dos fatos apontados. Expressara a vontade do bem e do justo: “a
vida boa com e para os outros nas instituições justas” (Paul Ricoeur). Ao
contrário dos baderneiros e saqueadores, que só visaram ao saque e à
depredação. Contra esses o protesto ecoou seu brado de rejeição: não são dos
nossos.
Os jovens atraíram os adultos, pais e mães, e por estes,
até as crianças. Coloriram-se de branco da paz contra baderneiros, vândalos e
saqueadores. Revestiram-se de brasilidade no verde e no amarelo da bandeira e
no canto do Hino Nacional. Estamparam as raízes da nacionalidade pelos símbolos
da pátria. Uma jovem confessou em público a surpresa consigo mesma: “não sabia
que era tão patriota”. Não o ufanismo dos poetas românticos e dos sambas de
exaltação de outrora, mas o patriotismo em favor dos que não têm acesso à
saúde, à educação, ao transporte público de qualidade. Quem carece do afeto da
“pátria gentil” na prioridade destes serviços essenciais.
A pauta formulada pelas ruas, em faixas e cartazes, está
pontuando a discussão governamental em ordem às decisões. Ou não será? Se não
for, perderemos uma oportunidade histórica sem precedentes, pois as
circunstâncias que fazem os acontecimentos não se repetirão, embora possam ser
semelhantes. A história não retornará, nem as pessoas e nem os governantes, e
os jovens de hoje, insatisfeitos, mas otimistas, logo envelhecerão. Poderão
desencantar a seguir.
As críticas expressaram não só a insatisfação ou o descrédito
com a política atual, mas o grave problema da legitimação partidária. O sistema
político-partidário é pouco representativo. Talvez por isso, a cada eleição
cresce o voto nulo. Não votam porque não se veem legitimamente representados.
Cresce igualmente o voto irresponsável dos iludidos pelas promessas
eleitoreiras. Daí, os jovens gritarem aspectos indicadores da necessidade da
reforma política.
O jovem, mesmo insatisfeito, tornou-se, por instantes, ator
político ou social interessado. Ele protestou. Exerceu a cidadania. Disse ao
Brasil que ele quer e o que não quer. Acreditou na melhoria possível da
pátria. Encheu as ruas de esperança. Não temeu revelar seus sonhos. Estimulou a
nação a lhe dar crédito. Ousou e foi capaz de pretender.
DOM EDSON DE CASTRO HOMEM