quarta-feira, 13 de março de 2013

A eleição do Papa: um processo divino e humano



No momento em que nos preparamos para eleição de um novo Papa, alguns movimen­tos aparentemente contrários podem causar admiração. Por um lado afirmamos, com toda a força, que esta é uma escolha de Deus, que os senhores cardeais são iluminados pelo Espírito Santo e que quem for anunciado pelo cardeal proto-diácono com o famoso “Habemus Papam”, após a sempre indecisa fumaça branca, será, de fato, o eleito do Senhor. Por outro lado, lemos na Constituição “Universi Dominici Gregis”, do beato João Paulo II, li­geiramente modificada por Bento XVI, toda uma série de cautelas para evitar manobras e compro­missos – como ocorreram em épocas passadas –, lemos como modernamente a gendarmeria vaticana tem que trabalhar para evitar qualquer comunicação com os cardeais eleitores quando estes se fecharem em conclave. Assistimos cardeais que dão en­trevistas, fornecendo um possível ‘perfil’ – palavra tão comum nos RHs de qualquer empresa – do novo Papa. E, enquanto escrevo estas palavras, vem a notícia do porta-voz da Santa Sé que os car­deais querem mais tempo para se conhecer e conversar.
Afinal, a eleição do Sumo Pontífice é uma escolha de Deus ou é o fruto de acordos humanos? Começo a explicação citando a frase de padre Lombardi na coletiva do dia 6 de março: “No Colégio Cardinalício há o desejo de uma preparação adequada, séria, profunda e não apressada. Nesta situação, não foi conside­rado oportuno fazer uma votação sobre a data do conclave, que po­deria ser sentida por uma grande parte do Colégio Cardinalício como uma pressão em relação à dinâmica de reflexão e amadu­recimento da parte do Colégio”. “…preparação adequada, séria, profunda e não apressada”. Diria que nesta série de adjetivos se fala tanto da preparação humana quanto espiritual. Uma e outra. E neste “e” está todo o problema! Este conectivo, aparentemente tão simples, “persegue” toda a história da Igreja.
Ao longo dos séculos, muitas vezes aparecia alguém que não o suportava, escolhendo um lado ou outro; em grego isto se chama hairesis, ou seja: heresia. Assim foi com o “dilema” se Jesus é Deus ou é homem, se os livros bíblicos são obra divina ou humana, se alguém é salvo pela fé ou pelas obra. Apenas para citar alguns exemplos mais conhecidos. Em todos estes e em muitos outros casos, a Igreja afirmou, com paci­ência e decisão, ambas as coisas. Afirmou-as, porque reveladas, mesmo quando não as entendia plenamente.
No caso da eleição do Papa, gostaria de citar aqui as palavras do nosso saudoso arcebispo Cardeal Dom Eugenio de Araujo Sales (Mensagem do Cardeal, 30/12/2005): “... há na mente de muitos, um equívoco quanto à noção de inspiração: a fé cató­lica nunca ensinou que a ação do Espírito Santo na eleição do Papa, bem como nas diversas escolhas que um fiel cristão faz em sua vida, fosse uma espécie de ditado, como se o Espírito Santo nos dissesse com detalhes o que fazer, com quem casar, em que tipo de congregação religiosa entrar, quem nomear, em quem votar, etc. Deus nos acompanha em todos os momentos da nossa vida, inspirando-nos, falando através das coincidências, dos bons conselhos. Às vezes, somos instrumentos de Deus na orien­tação de uma pessoa, sem nem mesmo percebermos. A ação do Espírito Santo não pode ser oposta à diligência que devemos ter para chegar a uma conclusão, estudando o problema de seus vários ângulos, buscando o con­selho dos mais experientes, sem jamais esmorecer na oração. A eleição do Papa não é diferente, e a Igreja nunca disse que fosse”.
Se pegarmos o Ordo Rituum Conclavis veremos que é um livro litúrgico de 343 páginas, e não contém tudo, pois o ofício e o próprio da missa de cada dia são distribuídos em cada momento pelos nove cerimoniários que acompanharão os cardeais no conclave; como as votações, a liturgia é intensa. Pouco antes do fim do pontificado do grande Papa Bento XVI, o então secretá­rio de Estado, hoje Camerlengo, com a aprovação do Papa, enviou a todas as comunidades contem­plativas o pedido de oração pelo conclave. No dia 6, não houve a Congregação Geral dos cardeais da tarde – que tem também um momento de oração –. Esta foi substituída pela adoração e bên­ção do Santíssimo, com o cântico das Vésperas na Basílica de São Pedro. Deus em primeiro lugar.
Talvez a melhor maneira de mostrar esta síntese entre o divino e o humano – que atinge seu apogeu na encarnação do Verbo –, difícil de entender para quem não tem a reta fé católica, está na leitura de um texto legal: a citada Constituição “Universi Dominici Gregis”, que regula a eleição do Romano Pontífice, por um lado diz: “(...) não é meu intento proibir que, durante o período de Sé vacante, possa haver troca de ideias acerca da eleição” (nº 81). Por outro, regu­lamentando o próprio processo de votação, estabelece – como já previa a legislação anterior – que, se os cardeais não chegarem a um consenso até o terceiro dia de votação, far-se-á por um dia uma pausa de oração, de livre colóquio entre os votantes e de uma breve exortação espiritual...” (nº 74) – são previstas novas pausas com a mesma orienta­ção se necessárias. A oração e as várias instruções práticas, fruto da experiência de séculos, se entrelaçam, numa harmonia que uma leitura honesta pode perceber; uma leitura de fé pode contemplar.
CONCLUSÃO
A Igreja convoca os cardeais eleitores para estudar, analisar, rezar e votar, rezando até mesmo no mo­mento de depositar o voto; convoca todo o povo cristão, que em torno de seus pastores, rezem sem cessar pela escolha do novo Papa.

MONSENHOR SÉRGIO COSTA COUTO
FOTO: INTERMIRIFICA.NET