No momento em que nos preparamos para eleição de um novo Papa,
alguns movimentos aparentemente contrários podem causar admiração. Por um lado
afirmamos, com toda a força, que esta é uma escolha de Deus, que os senhores
cardeais são iluminados pelo Espírito Santo e que quem for anunciado pelo
cardeal proto-diácono com o famoso “Habemus Papam”, após a sempre indecisa
fumaça branca, será, de fato, o eleito do Senhor. Por outro lado, lemos na
Constituição “Universi Dominici Gregis”, do beato João Paulo II, ligeiramente
modificada por Bento XVI, toda uma série de cautelas para evitar manobras e
compromissos – como ocorreram em épocas passadas –, lemos como modernamente a
gendarmeria vaticana tem que trabalhar para evitar qualquer comunicação com os
cardeais eleitores quando estes se fecharem em conclave. Assistimos
cardeais que dão entrevistas, fornecendo um possível ‘perfil’ – palavra tão
comum nos RHs de qualquer empresa – do novo Papa. E, enquanto escrevo estas
palavras, vem a notícia do porta-voz da Santa Sé que os cardeais querem mais
tempo para se conhecer e conversar.
Afinal, a eleição do Sumo Pontífice é uma escolha de Deus ou é o
fruto de acordos humanos? Começo a explicação citando a frase de padre Lombardi
na coletiva do dia 6 de março: “No Colégio Cardinalício há o desejo de uma
preparação adequada, séria, profunda e não apressada. Nesta situação, não foi
considerado oportuno fazer uma votação sobre a data do conclave, que poderia
ser sentida por uma grande parte do Colégio Cardinalício como uma pressão em
relação à dinâmica de reflexão e amadurecimento da parte do Colégio”. “…preparação
adequada, séria, profunda e não apressada”. Diria que nesta série de adjetivos
se fala tanto da preparação humana quanto espiritual. Uma e outra. E neste “e”
está todo o problema! Este conectivo, aparentemente tão simples, “persegue”
toda a história da Igreja.
Ao longo dos séculos, muitas vezes aparecia alguém que não o
suportava, escolhendo um lado ou outro; em grego isto se chama hairesis,
ou seja: heresia. Assim foi com o “dilema” se Jesus é Deus ou é homem,
se os livros bíblicos são obra divina ou humana, se alguém é salvo pela fé ou
pelas obra. Apenas para citar alguns exemplos mais conhecidos. Em todos estes e
em muitos outros casos, a Igreja afirmou, com paciência e decisão, ambas as
coisas. Afirmou-as, porque reveladas, mesmo quando não as entendia plenamente.
No caso da eleição do Papa, gostaria de citar aqui as palavras do
nosso saudoso arcebispo Cardeal Dom Eugenio de Araujo Sales (Mensagem do Cardeal,
30/12/2005): “... há na mente de muitos, um equívoco quanto à noção de
inspiração: a fé católica nunca ensinou que a ação do Espírito Santo na
eleição do Papa, bem como nas diversas escolhas que um fiel cristão faz em sua
vida, fosse uma espécie de ditado, como se o Espírito Santo nos dissesse com
detalhes o que fazer, com quem casar, em que tipo de congregação religiosa
entrar, quem nomear, em quem votar, etc. Deus nos acompanha em todos os
momentos da nossa vida, inspirando-nos, falando através das coincidências, dos
bons conselhos. Às vezes, somos instrumentos de Deus na orientação de uma
pessoa, sem nem mesmo percebermos. A ação do Espírito Santo não pode ser oposta
à diligência que devemos ter para chegar a uma conclusão, estudando o problema
de seus vários ângulos, buscando o conselho dos mais experientes, sem jamais
esmorecer na oração. A eleição do Papa não é diferente, e a Igreja nunca disse
que fosse”.
Se pegarmos o Ordo Rituum Conclavis veremos que é um livro
litúrgico de 343 páginas, e não contém tudo, pois o ofício e o próprio da missa
de cada dia são distribuídos em cada momento pelos nove cerimoniários que
acompanharão os cardeais no conclave; como as votações, a liturgia é intensa.
Pouco antes do fim do pontificado do grande Papa Bento XVI, o então secretário
de Estado, hoje Camerlengo, com a aprovação do Papa, enviou a todas as
comunidades contemplativas o pedido de oração pelo conclave. No dia 6, não
houve a Congregação Geral dos cardeais da tarde – que tem também um momento de
oração –. Esta foi substituída pela adoração e bênção do Santíssimo, com o
cântico das Vésperas na Basílica de São Pedro. Deus em primeiro lugar.
Talvez a melhor maneira de mostrar esta síntese entre o divino e o
humano – que atinge seu apogeu na encarnação do Verbo –, difícil de entender
para quem não tem a reta fé católica, está na leitura de um texto legal: a
citada Constituição “Universi Dominici Gregis”, que regula a eleição do Romano
Pontífice, por um lado diz: “(...) não é meu intento proibir que, durante o
período de Sé vacante, possa haver troca de ideias acerca da eleição” (nº 81).
Por outro, regulamentando o próprio processo de votação, estabelece – como já
previa a legislação anterior – que, se os cardeais não chegarem a um consenso
até o terceiro dia de votação, far-se-á por um dia “uma pausa de oração,
de livre colóquio entre os votantes e de uma breve exortação espiritual...” (nº
74) – são previstas novas pausas com a mesma orientação se necessárias. A
oração e as várias instruções práticas, fruto da experiência de séculos, se
entrelaçam, numa harmonia que uma leitura honesta pode perceber; uma leitura de
fé pode contemplar.
CONCLUSÃO
A Igreja convoca
os cardeais eleitores para estudar, analisar, rezar e votar, rezando até mesmo
no momento de depositar o voto; convoca todo o povo cristão, que em torno de
seus pastores, rezem sem cessar pela escolha do novo Papa.
MONSENHOR SÉRGIO COSTA COUTO
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