quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Recolher ou acolher? Qual o seu papel diante das drogas?


Essa é a indagação que o padre Renato Chiera, fundador e diretor da Casa do Menor, faz a toda a sociedade diante da problemática da dependência química, principalmente do crack. Aos 70 anos de idade e 26 deles dedicados ao trabalho com crianças e adolescentes em situação de risco, o religioso tem acompanhado de perto o drama das cracolândias, em especial nas áreas de Manguinhos e do Jacarezinho. Com um grupo de voluntários da Casa do Menor e de outras instituições, o padre visita os dependentes químicos que agora se concentram no que ele chama de “cracolândia volante”, formada na Avenida Brasil e na entrada da Ilha do Governador.
Padre Renato encaminhou uma carta à ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, em que denuncia a realidade sobre a remoção dos moradores de rua e cobra uma solução que devolva a dignidade a essas pessoas.

Jornal Testemunho de Fé – Qual sua análise sobre as políti­cas governamentais de combate às drogas?
Padre Renato Chiera – O pro­blema das drogas, que considero a doença do século, está sendo colocado como prioridade pelos governos, mas é preciso preparo e profissionalismo. Despertou-se, de repente, para este problema por um simples motivo: mostrar uma cidade maravilhosa e segura para eventos importantíssimos. Por causa disso, se justifica, en­tão, uma limpeza étnica e social? Espero que não seja dessa forma e que, no Rio, possa nascer algo de referência para o Brasil.
TF – Como o senhor avalia, em específico, o trabalho de combate ao crack no Rio?
Padre Renato – O governo do Rio está de parabéns em encarar esta tragédia. Porém, ele não está preparado, pois não conta com estruturas de apoio necessárias. Não se começa uma ação com esta complexidade sem progra­mar antes uma metodologia, os passos a serem dados e as estruturas indispensáveis para sua realização. Não se começa uma guerra (contra o crack) sem os soldados, sem os equi­pamentos e sem retaguarda. Não se recolhe uma pessoa, se acolhe uma pessoa. O resto é superficialidade inadmissível e irresponsabilidade.
TF – Qual é sua opinião so­bre a instalação de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) para controlar o tráfico nos morros?
Padre Renato – Em 2010, co­meçou-se a entrar nas favelas, o que diminuiu a visibilidade das armas dos traficantes, mas aumentou a visibilidade de ar­mas dos policiais, dando a dura sensação de áreas de guerra. O aumento da violência em São Paulo e a violência que retorna ao Complexo do Alemão deveriam ensinar: não se resolve violência com violência. O estado usa a mesma violência dos bandidos, ou mesmo maior.
TF – Houve redução no tráfico após as UPPs?
Padre Renato – As UPPs dimi­nuíram o tráfico ostensivo nas favelas, mas não a organização do tráfico, que migrou para outros lugares, se espalhando pela Baixada Fluminense e pelo Brasil afora, aumentando as­sustadoramente a violência. O tráfico continua, mas em formas mais disfarçadas, nas mesmas favelas, encobertado agora por parte da polícia, ou assumido pelos milicianos, que são piores de que os traficantes. Eles con­tam com a cobertura da polícia e até do governo, que ainda não invadiu nenhuma favela ocupada pelos milicianos. Sabemos que os milicianos estão impondo uma verdadeira máfia e terror, com aparência de uma falsa paz e libertação do tráfico, agora controlado por eles.
TF - Como é o trabalho que o senhor realiza nas cracolândias?
Padre Renato – Há mais de um ano, estamos visitando as comu­nidades de Manguinhos e Jacaré, cemitérios de vivos que esperam a morte e se juntam para superar a solidão, a rejeição, o abandono e se consolam queimando pedras. Entramos nestes lugares de morte e de desespero para levar espe­rança, simplesmente ouvindo e partilhando seus sofrimentos, para mostrar que elas são muito amadas por Deus e por nós, que têm direito a uma vida digna, e que nós estamos à disposição para ajudá-las. Sem recolhimento compulsório ou presença maciça de guardas e policiais, um bom número de homens e mulheres já conseguiu sair deste inferno, através de nossa presença silen­ciosa e sem armas. [...]

ROCÉLIA SANTOS
FOTO: DIVULGAÇÃO