Essa é a indagação que o padre Renato
Chiera, fundador e diretor da Casa do Menor, faz a toda a sociedade diante da
problemática da dependência química, principalmente do crack. Aos 70 anos de
idade e 26 deles dedicados ao trabalho com crianças e adolescentes em situação
de risco, o religioso tem acompanhado de perto o drama das cracolândias, em
especial nas áreas de Manguinhos e do Jacarezinho. Com um grupo de voluntários
da Casa do Menor e de outras instituições, o padre visita os dependentes
químicos que agora se concentram no que ele chama de “cracolândia volante”,
formada na Avenida Brasil e na entrada da Ilha do Governador.
Padre Renato encaminhou uma carta à
ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria
do Rosário, em que denuncia a realidade sobre a remoção dos moradores de rua e
cobra uma solução que devolva a dignidade a essas pessoas.
Jornal Testemunho de Fé – Qual sua
análise sobre as políticas governamentais de combate às drogas?
Padre Renato Chiera – O problema das drogas, que considero a doença do século,
está sendo colocado como prioridade pelos governos, mas é preciso preparo e
profissionalismo. Despertou-se, de repente, para este problema por um simples
motivo: mostrar uma cidade maravilhosa e segura para eventos importantíssimos.
Por causa disso, se justifica, então, uma limpeza étnica e social? Espero que
não seja dessa forma e que, no Rio, possa nascer algo de referência para o
Brasil.
TF – Como o senhor avalia, em específico,
o trabalho de combate ao crack no Rio?
Padre Renato – O governo do Rio está de parabéns em encarar esta tragédia. Porém,
ele não está preparado, pois não conta com estruturas de apoio necessárias. Não
se começa uma ação com esta complexidade sem programar antes uma metodologia,
os passos a serem dados e as estruturas indispensáveis para sua realização. Não
se começa uma guerra (contra o crack) sem os soldados, sem os equipamentos e
sem retaguarda. Não se recolhe uma pessoa, se acolhe uma pessoa. O resto é
superficialidade inadmissível e irresponsabilidade.
TF – Qual é sua opinião sobre a
instalação de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) para controlar o tráfico
nos morros?
Padre Renato – Em 2010, começou-se a entrar nas favelas, o que diminuiu a
visibilidade das armas dos traficantes, mas aumentou a visibilidade de armas
dos policiais, dando a dura sensação de áreas de guerra. O aumento da violência
em São Paulo
e a violência que retorna ao Complexo do Alemão deveriam ensinar: não se
resolve violência com violência. O estado usa a mesma violência dos bandidos,
ou mesmo maior.
TF – Houve redução no tráfico após as
UPPs?
Padre Renato – As UPPs diminuíram o tráfico ostensivo nas favelas, mas não a
organização do tráfico, que migrou para outros lugares, se espalhando pela
Baixada Fluminense e pelo Brasil afora, aumentando assustadoramente a
violência. O tráfico continua, mas em formas mais disfarçadas, nas mesmas
favelas, encobertado agora por parte da polícia, ou assumido pelos milicianos,
que são piores de que os traficantes. Eles contam com a cobertura da polícia e
até do governo, que ainda não invadiu nenhuma favela ocupada pelos milicianos.
Sabemos que os milicianos estão impondo uma verdadeira máfia e terror, com
aparência de uma falsa paz e libertação do tráfico, agora controlado por eles.
TF - Como é o trabalho que o senhor
realiza nas cracolândias?
Padre
Renato – Há mais de um ano, estamos
visitando as comunidades de Manguinhos e Jacaré, cemitérios de vivos que
esperam a morte e se juntam para superar a solidão, a rejeição, o abandono e se
consolam queimando pedras. Entramos nestes lugares de morte e de desespero para
levar esperança, simplesmente ouvindo e partilhando seus sofrimentos, para
mostrar que elas são muito amadas por Deus e por nós, que têm direito a uma
vida digna, e que nós estamos à disposição para ajudá-las. Sem recolhimento
compulsório ou presença maciça de guardas e policiais, um bom número de homens
e mulheres já conseguiu sair deste inferno, através de nossa presença silenciosa
e sem armas. [...]
ROCÉLIA SANTOS
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